Quando desci, nesta manhã, os porteiros já estavam desmanchando os enfeites natalinos colocados desde o início de dezembro passado no hall do prédio.
Fui caminhar pensando que o mesmo acontecia, todo dia 6 de janeiro, na casa dos meus pais. Voltava-se a embrulhar com todo o cuidado cada peça do presépio, removia-se a areia, guardava-se o grande espelho que lhe servia de base e que ajudava a criar riachos de águas cintilantes naquela Belém doméstica. As bolas de aljôfar eram removidas com todo o cuidado do grande pinheiro que chegava a tocar o teto, e fios de luzes, laços, festões dourados e muitos enfeites de pendurar, tudo era novamente acondicionado para esperar outro Natal.
Por que dia 6 de janeiro? Por que Dia de Reis? O que significam esses, assim chamados, Reis Magos?
Apenas no Evangelho de Mateus há menção a eles e nunca são tratados como “reis”, mas como “visitantes vindos do Oriente” que se prostraram aos pés da criança e a adoraram. Finalmente, abrindo seus baús, presentearam-na com ouro, incenso e mirra. Sem dúvidas, fossem quem fossem, viessem de onde viessem, reconheceram naquele menino o rei, o sacerdote e o profeta, ou pelo menos é o que seus presentes indicam. Mirra era uma resina muito utilizada para embalsamar os corpos, preservando-os para uma vida futura, para novos tempos, para um retorno da alma ao corpo, à matéria. O fumaça perfumada do incenso ascendendo às alturas é associado à oração, a prece, que eleva nossos agradecimentos, nossos pedidos e nossas intenções ao Divino. E finalmente o ouro, matéria nobre, retirada das profundezas da terra, dos leitos dos rios, representa a sabedoria e a nobreza de caráter, digno dos grandes e sábios dignitários. Fossem reis, mensageiros, astrólogos babilônicos ou sábios, esses homens reverenciaram Jesus como a um rei, de nobre caráter e sabedoria, e de grande espiritualidade. O “Dicionário de Símbolos” do Chevalier-Gheerbrant diz, textualmente na página 776 da sua 2ª edição, o seguinte sobre o simbolismo da figura de Rei:
“O rei é também concebido domo uma projeção do eu superior, um ideal a realizar. Não tem mais, então, nenhuma significação histórica e cósmica, torna-se um valor ético e psicológico. Sua imagem concentra sobre si os desejos de autonomia, de governo de si mesmo, de conhecimento integral, de consciência. Nesse sentido, o rei é, com o herói, o santo, o pai, o sábio, o arquétipo da perfeição humana, e ele mobilizava todas as energias espirituais para se realizar.” (o grifo é meu)
Esses viajantes estrangeiros ao ajoelharem-se frente à criança, reconheciam a sua autoridade, que é o verdadeiro poder e toda lei deriva dele. O que permite atribuir-se autoridade a alguém é o reconhecimento de que essa pessoa é, de que essa pessoa sabe e de que ela pode. Talvez possamos associar a mirra, ao Ser Alguém, ou seja, à idéia de um corpo físico que é um depositório de conhecimentos e experiências refinados através de muitas vidas, de várias encarnações. O Saber Algo podemos livre-associar ao ouro, no sentido de uma rara sabedoria, um grande senso de justiça e nobreza de intenções. Finalmente, ter Poder poderia estar ligado à idéia da força da vontade, do desejo, do incenso que ao ser queimado cumpre a função de oloroso mensageiro, do fogo que dá vida e que transmuta.
Gaspar, Melquior (ou Belchior) e Baltazar são os nomes atribuídos a esses 3 visitantes e lhes foram concedidos somente no século VIII d.C., podendo terem sido escolhidos devido a uma corruptela da expressão latina Christus mansionem benedicat, ou seja, “Cristo abençoe este lar”, usada então como saudação pelos visitantes ao adentrarem uma casa.
Mateus nos diz que depois de seu encontro com Herodes, esses viajantes vindos do Leste, tornaram a avistar a estrela que haviam visto anteriormente, e a seguiram, tendo ela parado “acima do lugar onde o menino estava. Quando viram a estrela, eles ficaram muito alegres e felizes. Entraram na casa e encontraram o menino com Maria, sua Mãe”. Isso é uma Epifania, ou seja, uma manifestação. Ao ser reconhecido como mortal (mirra), Deus (incenso) e rei (ouro), acaba, finalmente, a procura daqueles homens. À sua frente está a resposta. Acabam por compreender, na presença daquela criança, o sentido da sua busca, e subitamente têm a compreensão da sua natureza divina.
Mas o que exatamente motivou esta postagem foi o significado da estrela nessa história. Esse corpo celeste que, navegando na escuridão do universo, atua como um farol a nos guiar para margens seguras. Esse corpo celeste, que carrega consigo a idéia de futuro, do novo, de uma mudança para melhor.
Esperança, é o atributo do Arcano XVII do Tarot, a Estrela. Ela anuncia que o que passou é uma preparação para o que há de vir. Que cada dia vem pleno de novas oportunidades, de outras possibilidades e que devemos dirigir nossas forças para o futuro, para o porvir.
Numa leitura, essa carta não prediz necessariamente uma grande e imediata mudança, mas nos faz refletir sobre esperança e cura. O rio que corre do passado para o futuro, onde se debruça a Esperança, despida de qualquer artifício que possa atrapalhar a clareza de sua visão, ali está para saciar a sede do Consulente, seja através de uma ajuda inesperada, ou mesmo com uma revelação, uma epifania que lhe iluminará o caminho a seguir.
Acredito ser essa a imagem bíblica da visita desses homens vindos de outras direções, guiados por uma luz: a fé que devemos ter de que o futuro nos reserva grandes e importantes revelações. Provavelmente eles não tenham vivido o suficiente para verem as modificações ocasionadas por aquele menino, mas certamente, ao seguirem a luz da Esperança, puderam antever, numa epifania, o que Ele representaria para o futuro.
Creio que seja essa uma das lições contidas nesse Arcano XVII: que devemos manter acesa dentro de nós essa luz que nos guiará pelos caminhos que levarão ao nosso crescimento e realização, tanto humano como espiritual.
Feliz Dia de Reis!
Ilustração: “Os Reis Magos”, de Andrea Mantegna (1431 – 1506)
Olá Alex, tudo bem?
ResponderExcluirVocê falou d'A Estrela, eu dos presentes.
Um grande abraço.