segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Resistindo ao inevitável


Muitas vezes, e em especial neste Blog, me refiro às cartas de Tarot como um alfabeto de um idioma um pouco esquecido e que as combinações de suas cartas formam sílabas, palavras, frases. Nelas lemos aforismos, avisos, notinhas amorosas, poemas épicos, frases de efeito, alertas preocupantes, propostas instigantes, notícias de tempos distantes, romances minimalistas, etc.
Nada, na configuração das cartas, é gratuito ou está ali por acaso. Ao contrário, tudo foi muito bem pensado para que em cada traço do desenho, em cada mancha de cor, em cada elemento retratado possamos deixar nosso subconsciente completar a imagem e retornar com uma possível resposta, uma legenda para aquela ilustração.
O que me levou a estar escrevendo sobre isso foi o fato de, numa leitura realizada hoje, onde o assunto principal era seu trabalho, seus negócios, terem surgido 2 cartas numa casa que representava um sinal de alerta, de atenção/perigo para o Consulente. Os esquemas dos jogos normalmente possuem casas para situações costumeiras, do tipo: o estado emocional do Consulente no momento da leitura, quais as raízes do assunto que motiva a leitura das cartas, quais as probabilidades de determinado acontecimento vir a ocorrer, etc. Então, no esquema que eu havia sugerido para a jogada de hoje havia uma casa que representava possíveis obstáculos sobre os quais o Consulente deveria estar consciente e atento.
O 9 de Espadas, entre outras possibilidades, representa aquelas nossas preocupações que não nos abandonam, talvez porque as alimentemos e deixamos que cresçam e nos dominem. É quando exageramos nas nossas aflições e passamos a ver prejuízo, sofrimento e dor em tudo. Abandonamos o sentido do real para nos aventurarmos nos meandros dos pesadelos. O pessimismo é a palavra de ordem e acabamos, até inconscientemente, favorecendo que o Mal que imaginamos realmente aconteça. E quando isso vem acompanhado de uma Torre (Arcano Maior XVI)? Motivo para muita gente dar um salto na cadeira e persignar-se, como que antevendo uma enxurrada de desgraças à sua frente.
Menos, por favor. Bem menos.
A Torre, em seus aspectos mais negativos, representa uma retomada de consciência ocasionada por um evento que abala profundamente as estruturas do que já não tinha solidez em seus alicerces. Refere-se, muitas vezes, à necessidade de enfrentarmos a ruptura de determinadas "construções" nas quais nos empenhamos no intuito de nos afastarmos da pura realidade. Se eu "construo" uma relação afetiva baseada unicamente em fantasias e carências, é evidente que estou querendo erguer um monumento sobre areia movediça. Não irá resistir à falta de solidez de intenções, à veracidade dos fatos, à honestidade dos sentimentos.
E daí, como é então que fica a leitura dessa dupla, 9 de Espadas e Torre?
Claro que, como sempre, irei alertar que essa interpretação não é única, não é exclusiva, não se aplica a todas as situações e jogadas. Aliás, nada no Tarot funciona exatamente assim. Nada é absoluto. E é exatamente o exercício de, a cada jogada, a cada Consulente, encontrarmos um novo sentido, uma nova mensagem embutida, um novo viés combinatório, que faz de cada leitura, única.
No caso em questão que motivou esta postagem, o Consulente sofre com a idéia de ter que rever os motivos pelos quais seus negócios parecem não prosperar. Tem medo de confrontar-se com a necessidade de abandonar uma posição que não é nem de longe a ideal, mas que lhe parece cômoda e que vai "quebrando um galho", mas que ele bem sabe ser insustentável. Atormenta-lhe a idéia de ter que reconhecer que cometeu sérios erros e que estes acabaram por comprometer o projeto como um todo. Parece-lhe insuportável ter que assumir perante a família, os amigos, os funcionários e os concorrentes que agiu insensatamente e que o que ele pretendia se transformasse num império tem a mesma resistência de um castelo de areia à beira mar.
Ele sabe que a Torre já está instalada, com a força impiedosa de seus explosivos prontos a implodirem o que um dia foi um sonho mal sonhado, um projeto mal planejado, uma administração mal conduzida. E ao invés de detonar tudo o mais rapidamente possível e permitir-se recomeçar, agora com muito mais conhecimento e bom senso, prolonga o inevitável remoendo culpas, medos, angústias e vergonha.
Nem sempre as leituras de Tarot são aceitas de imediato. Há pessoas que resistem, que se negam a reconhecer ali uma sugestão para uma reflexão maior. Ninguém deveria entender um jogo oracular como uma ordem, um comando inquestionável, enviada de um outro plano, mas como um alerta para que o Consulente reflita e possa tomar suas próprias decisões, baseadas exclusivamente no seu livre-arbítrio.
Torres refletem acontecimentos, situações que em geral desejamos que nunca aconteçam, mas que acontecem mesmo assim. Deve haver, e certamente há, um sentido nisso tudo, mas nem sempre é fácil reconhecê-lo ou aceitar. Mas do que adianta construir uma mentira e passar a vida atormentado pela idéia que um dia ela irá se revelar? Por que prolongar o sofrimento inevitável? Por que não se permitir corrigir, modificar, evoluir, reconstruir?
Está aí, então, o Tarot para ajudar nessa reflexão, para lembrar que temos algo precioso que é a nossa capacidade de decisão e que quando dela nos utilizamos consciente e harmoniosamente, passamos a trilhar os caminhos que melhor irão nos servir para que nos realizemos como seres humanos.

2 comentários:

  1. Olá! Grata surpresa essa postagem.
    Pensar em duas cartas tão ... intragáveis (na falta de melhor definição) é realmente assustador. O pesadelo do Nove de Espadas - a Crueldade, para Crowley - é uma carta que exala sangue, suor, lágrimas e medo. É sofrimento. Um sofrimento que não passa com o amanhecer, mas ainda assim, é só um pesadelo; a expectativa de sonhá-lo de novo é que é aterradora!
    A Torre, por sua vez, impiedosa em seu insight - depois de sua passagem, só nos sobra a Essência, como uma casa vazia depois de uma mudança... onde estava todo aquele espaço?
    Curioso constatar que Marte está na regência das duas lâminas, sendo a base da Torre e do decanato do Nove de Espadas - Marte em Gêmeos.
    Cabe orientar o referido consulente buscar a essência de sua agressividade e medo da mudança nesse momento em acontecimentos de sua primeira infância até a pré-adolescência.
    Grande abraço!

    ResponderExcluir
  2. Alex, muito bom!

    ResponderExcluir

Agradeço o seu comentário.
Em breve ele deverá ser exibido no Blog.
Namastê!