Silvia foi uma das primeiras a matricular-se e no dia marcado para iniciarmos o curso, lá estava ela: caderno, canetas coloridas e uns 2 ou 3 baralhos dentro da bolsa. Escolheu seu lugar, bem à frente, sentou-se e, antes mesmo da aula começar, já estava tomando notas.
Silvia sempre sentiu-se atraída por tudo que envolvesse espiritualidade e já colecionava um bom número de cursos na área. Contou-nos que já havia estudado radiestesia, feng-chuei, baralho cigano, reiki, aromaterapia e há anos praticava ioga e meditação transcendental. Até mesmo um curso básico de Arcanos Maiores já tinha freqüentado. Mas Sílvia queria mais, queria ir além.
Seu interesse por aquilo que ela chamava de “desenvolvimento pessoal” era uma busca constante por uma reconexão, que ela sabia existir, com seu Eu superior, com algo maior e quase sempre inominável, inexplicável. Considerava o momento ideal para seu retorno aos estudos e, em especial ao tarot. Havia ficado viúva recentemente e, ainda que recebesse uma pensão deixada pelo marido, cuja doença terminal fora longa e bastante dispendiosa, muito pouco lhe restara além do pequeno apartamento em que morava. Via no aprendizado do tarot uma oportunidade a mais para vivenciar a sua eterna busca por si mesma, através de um instrumento com uma linguagem bastante lúdica.
Foi franca em nos dizer, naquele primeiro encontro, que era acreditando nessa possibilidade de encontrar resposta, ou pelo menos, encontrar caminhos que pudessem levá-la ao cerne de questões existenciais bastante importantes, é que estava fazendo o curso, um investimento que lhe era considerável. Estava disposta a investir em si mesma. Acreditava que agora, mais amadurecida e sem tantos compromissos sociais, iria poder dedicar-se mais e melhor em aprender a “linguagem sagrada” (como ela dizia) do tarot. Curiosidade, perspicácia e facilidade de comunicação eram atributos que todos pudemos constatar que não lhe faltavam, naquela nossa primeira aula. Sua simpatia, interesse e naturalidade cativaram os demais alunos.
Não foi nenhuma surpresa o fato dela, durante os seis meses de duração do curso, ter-se revelado uma aluna altamente dedicada, muito estudiosa, sempre pesquisando e buscando informações a respeito das possibilidades que o tarot oferecia, em sites, blogs, livros, conversas com outros alunos. Silvia revelava-se uma verdadeira “futura taróloga” e demonstrava ser uma lider nata, alguém que estimulava a vontade e o interesse em todo o grupo. Sensível, altamente intuitiva, com uma grande experiência da vida, centrada e, especialmente, de “bem com a vida”, ela revelava-se, semana após semana, uma aluna ideal e as leituras que praticava com seus parentes e amigas, rigorosamente anotadas, eram motivo para um acréscimo, um “extra”, bastante bem vindo e criativo às aulas.
Era um grupo de alunos extremamente dedicados. Alguns deles apresentavam sinais de evidente mediunidade e buscavam no tarot um meio de expressá-la. Outros, encontravam na iconografia das cartas a pesquisa simbólica à qual queriam se lançar. Havia até quem utilizava as cartas em consultórios de psicologia, como um suporte extra para estabelecer um contato com o subconsciente de seus clientes. Portanto, Silvia estava muito bem acompanhada. Mas isso não significa que não houvessem grandes embates, numa espécie de “saudável competição” entre os alunos. No fundo, todos queriam, mais do que exibir o valor de seus conhecimentos e talento, aprofundar cada vez mais as possibilidades de cada lâmina, de cada esquema de jogo.
O espaço onde se realizava o curso de tarot resolvera organizar o que chamaram de “feira mística”, a exemplo de tantas que existem e os professores foram convidados a indicarem alguns bons alunos para que delas participassem, numa forma de proporcionar-lhes uma experiência prática mais efetiva. Era uma atividade prática com responsabilidade e bastante bem vinda a qualquer estudante. Tínhamos em nosso grupo de tarot uns 3 candidatos em potencial para esse “exercício” e, naturalmente, Silvia liderava a lista.
Os visitantes da “feira” foram previamente avisados que alunos de diversos cursos ali oferecidos estariam atendendo, como uma espécie de “estágio”. A participação de Silvia foi altamente elogiada por todos os que se propuseram a serem atendidos por uma aluna e no segundo dia da feira, havia uma pequena fila de pessoas esperando para terem suas leituras realizadas exclusivamente por ela. Uma verdadeira recompensa à sua extremada dedicação.
Quando, terminado o evento, fizemos uma avaliação baseado nas suas anotações precisas de cada leitura realizada, pudemos constatar que, de fato, ali estava uma pessoa com um enorme potencial para a leitura oracular. O curso terminara e Silvia tinha brilhado, indiscutivelmente.
Passados alguns meses, a direção do espaço decidiu que necessitava de um tarólogo que tivesse disponibilidade de horário para dar aulas a um novo grupo de alunos e nenhum de nós, que lá trabalhávamos, poderíamos assumir a tarefa devido a outros compromissos assumidos no mesmo período. Depois de muita deliberação, Silvia foi finalmente convidada a iniciar essa nova turma. Conhecimento não lhe faltava, nem determinação, segurança, interesse ou coragem. Além disso, a sua própria experiência com o tarot servia de motivação para os alunos.
Claro que sua primeira reação foi a de surpresa e alegria, pois afinal isso era o reconhecimento ao seu esforço e capacidade. Era um começo, o possível início de uma nova etapa em sua vida e, de alguma maneira, havia uma recompensa financeira nisso que poderia compensar investimentos feitos e proporcionar outros mais. Entretanto, nos dias seguintes, Silvia procurou-nos cheia de dúvidas, temerosa que o trabalho como mestra de tarot fosse algo além da sua possibilidade e não queria frustrar à escola, aos alunos e nem a si mesma. Não foi difícil resgatar sua auto-confiança. Bastou-nos relembrá-la de seus méritos pessoais e assegurá-la de que ela tinha capacidade para o que lhe estava sendo oferecido.
O curso foi anunciado e um pequeno número de alunos confirmou suas presenças. Outra vez mais, lá estava Silvia, chegando bem antes da hora, preparando seu material e posicionando-se numa sala de aulas onde a professora era, agora, ela mesma.
Apresentou-se à turma contando sua própria trajetória como pesquisadora de sistemas oraculares. Estendeu-se sobre sua longa jornada em busca de um crescimento espiritual, de um desenvolvimento de sua consciência. Falou também da sua inexperiência como professora, avisou-os que eram a sua primeira turma, pediu-lhes que tivessem paciência caso ela, em algum momento, não ter a melhor resposta às suas questões, mas que estava junto a eles, em pé de igualdade, nessa jornada que iniciavam pelo mundo dos arcanos do tarot e, por conseguinte, nos escaninhos de suas mentes, racionais ou não. Ganhou-os incondicionalmente com sua sinceridade e empatia.
Foram 24 semanas de animadas aulas, de onde os alunos emergiam excitados com o que haviam aprendido e não poupando elogios à mestra. Aula após aula Silvia revelava ter grande conhecimento do assunto e uma enorme facilidade em transmiti-lo. Houveram, também, alguns pouquíssimos momentos em que a vimos sair da sala de aula frustrada por não ter conseguido expressar-se da melhor maneira, ou de não ter sentido que sua explicação a respeito de algum arcano tivesse sido a mais satisfatória. Mas Silvia era, antes de mais nada, uma “mãezona”, daquelas dão colo, pegam na mão, conduzem e possuem uma inesgotável paciência, além de muita animação e de um eterno bom humor. Ela própria, através dos anos, no papel de aprendiz, sabia que o processo iniciático não é simples e nem fácil. Que exige muito de quem busca a sua própria verdade e ela estava ali disposta a ajudar os demais “peregrinos” a percorrerem as mesmas trilhas que ela tinha experimentado.
O curso ainda não havia terminado e ela já começara a trabalhar, no mesmo espaço, fazendo leituras de tarot. Rapidamente formou uma clientela que ia se expandindo aos poucos, mas seguramente. Além disso fora convidada a ministrar um novo curso e fazer leituras também em outro local, onde novos consulentes disputavam a sua, agora, lotada agenda. Se o objetivo de Silvia era o de encontrar um veículo que a ajudasse a conhecer-se melhor, a compreender ao semelhante em toda a sua complexidade e a decodificar e transmitir informações oraculares, ela podia considerar-se realizada pois não lhe faltavam clientes e nem alunos. Aos poucos ela foi aprendendo a exigir menos de si mesma, a equilibrar o seu ritmo de trabalho com o de seus estudos pessoais; reduziu o número de horas semanais dedicadas ao atendimento, bem como optou por ministrar apenas dois cursos por ano. Sobrava-lhe, novamente, tempo para estudar, ler, escrever, encontrar-se com as amigas e visitar os netos que moravam longe.
Mais do que um trabalho, Silvia havia encontrado um sentido, um direcionamento, um novo passo em sua jornada pessoal pelas respostas das questões que lhe eram vitalmente significativas.
Imagens: Tarot of the Old Path
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