Estive recentemente hospitalizado para uma intervenção necessária e que há algum tempo, confesso que por medo, estava protelando. Foram dias de angústia os que antecederam a minha internação, onde as mais escabrosas fantasias me atormentavam nos breves momentos de sonho nas muitas noites mal dormidas. Quando fui ao meu médico para dizer-lhe que me responsabilizaria completamente pelas minhas decisões e que assumiria as consequências conscientemente, mas que não iria fazer a referida intervenção cirúrgica, ele nem me deixou continuar na argumentação e exigiu de imediato a minha internação.
Fui para o hospital feito um zumbi, num estado de alienação, sem ouvir direito o que falavam comigo, olhando as ruas pela janela do carro mas sem reconhecê-las, rezando para acordar daquele pesadelo. A frieza e magnitude da sala de espera, o impessoal tratamento dispensado na admissão e verificação do plano de saúde e da documentação necessária, as sequenciais luzes frias dos corredores até o quarto, o desvestir-me para deitar numa cama que não era minha e que mais parecia, pela altura e desconforto, uma pedra ara, um alar sacrifical, tudo me fazia sentir pequeno, sozinho, destituído, aterrorizado, já incapaz de reagir. Um joguete nas mãos daqueles estranhos que me tratavam com uma forçada simpatia profissional e um profundo desprezo pelos horrores que este que vos escreve estava passando.
Se eu tenho um problema no coração, com certeza ele se agravou muito mais naquelas longas horas entre o consultório e a sala de cirurgia. E se esse problema fosse realmente grave, eu teria morrido ainda no carro, tal era o meu pânico e a minha ansiedade. Pelo menos era isso que eu pensava, esperando para, a qualquer momento, sentir a dor, o impacto final, o tal do filme de uma vida toda que é projetado em forma de lembranças no cérebro que vai se apagando. Enfim, tudo o que aprendi nas salas escuras dos cinemas entre estórias de terror e dramalhões produzidos no interesse sádico dos produtores em arrancar-nos o dinheiro, os gritos, o suor e as lágrimas.
Horas depois, já no quarto, que me parecia bem menos estranho ou agressivo, prestando atenção a cada som dos aparelhos ligados ao meu corpo, tentando encontrar algo de diferente na minha respiração ou no ritmo do meu batimento cardíaco, sentia-me renascido, um verdadeiro Lázaro trazido à vida pela ciência, por um milagre divino e pela minha bravura, coragem e resignação. Sim, isso é para ser ridículo mesmo, mas, respeitem um convalescente: não riam muito alto!
Passei alguns dias hospitalizado, para avaliação dos resultados e devido a uma pequena complicação que possivelmente implicaria na necessidade de uma nova cirurgia. Não foi um tempo agradável, sem dúvidas.
Procuro ser uma pessoa muito organizada, até mesmo porque como moro sozinho, tenho que prever momentos como esse em que, por alguma impossibilidade, não possa ir ao banco, pagar uma conta, comprar material de limpeza para que a faxineira possa trabalhar, ter uma agenda sempre completa e atualizada para não deixar de avisar quando tiver que faltar a um compromisso, considerar a possibilidade do computador quebrar ou do sistema de internet estar paralisado e não poder receber e enviar e-mails ou postar neste Blog, bem como ter alguns já escritos e de reserva, para qualquer eventualidade. Mas a maneira com que as coisas se conduziram pegaram-me quase de surpresa. Clientes com leituras agendadas não foram avisados, não dei um telefonema a um parente que pudesse lhe dar esperanças de vir a herdar, em breve, alguns tarots e algumas estantes abarrotadas de livros. Nem mesmo ao síndico ou porteiros do edifício em que moro, eu avisei em caso de… bem, vocês sabem o que.
Foram longos dias sozinho no hospital, recebendo apenas a visita de um sobrinho, “nerd” de carteirinha, desses que entendem tudo sobre computadores e que se encarregou das postagens que vocês leram e que já estavam prontas (não disse que sou organizado e precavido?) bastando apenas algumas complementações. Todos os dias antes de ir para a faculdade ele passava pelo hospital e confirmávamos o texto a ser enviado, posteriormente para este Blog. Devo a ele não ter falhado, ao menos nisso, com o meu compromisso.
Estar parado, sem alternativas a não ser aguardar ansiosamente a visita do médico com a sentença salvadora, o nosso salvo-conduto para a vida, para a liberdade _ “Você está liberado. Vai para casa hoje” _ é, além de muito aborrecido, um momento forçado de estar-se só consigo mesmo, numa bolha de tempo onde as horas levam um tempo diferente daquele dos nossos relógios de trabalho, de diversão, de descanso, de férias, de lazer. Acho que é o mais próximo da idéia de limbo que eu já experimentei. Aliás, para um ex-aluno de tradicional colégio religioso, o limbo me parecia algo inútil pois, afinal, ou se é mau e vai-se queimar nas chamas do inferno, ou as alegrias e êxtases celestiais estão garantidos no paraíso. Que lugar é esse, cinzento, frio, desconfortável, atemporal, onde se ouvem algum choro e ranger de dentes? Naqueles velhos tempos eu não sabia e nem tinha como compreender. Agora sei que se chama quarto de hospital e quando a gente, em desespero, chama pelos cuidados da mãe, ela se nos apresenta na figura dessas afilhadas de Ana Néri, que nos banham, alimentam, ouvem e, sorrindo pacientemente, nos fazem entender que ali estão, por nós. O Pendurado é o Arcano XII do tarot e, se desmembrarmos o número, 12= 1+2=3, temos o número da Imperatriz, a grande mãe, a que cuida, nutre e protege. Interessante, não?
E o que se faz nesse limbo? Espera-se. Pensa-se. Medita-se. Aguarda-se que algo aconteça e que nos remova de lá. Aprende-se a aceitar que não temos total domínio sobre tudo e que ficamos muitas vezes à mercê de acontecimentos que não são desejados, mas dos quais não conseguimos nos esquivar. Não estamos ativos, trabalhando, convivendo com nossos familiares ou amigos da maneira que queremos, mas também não estamos dormindo, nem mortos, nem idiotizados. Ficamos conscientes, aguardando o desenrolar dos acontecimentos sobre os quais não temos total domínio. É como se estivéssemos vivendo o nosso próprio papel num filme sobre nós mesmos e o diretor, numa crise de “bloqueio criativo”, fizesse uma longa pausa para ver como vai consertar o script.
Como as horas eram longas e brancas, aproveitei para fazer mais um balanço de vida, reavaliando projetos e resultados, repensando atitudes, analisando meus comportamentos. Resolvi que deveria afundar-me mais nesse temor que senti face à inevitabilidade da cirurgia e dos meus sentimentos em relação à morte. O quanto minhas convicções filosóficas e religiosas estão realmente sedimentadas em mim? O quanto eu compreendo e aceito os ciclos que ocorrem em minha própria vida e o quanto deles eu me aproveito como experiências a serem utilizadas no futuro, em situações parecidas? Como é que eu tenho tratado o meu corpo físico e se tenho lhe dedicado o necessário equilíbrio de atenção e cuidados com que trato a minha parte espiritual e emocional? O que devo mudar em mim para assimilar melhor os hábitos e as práticas que possam permitir que eu viva de maneira mais saudável, evitando os percalços que podem ser evitados? Em ignorando estes cuidados ao meu corpo físico, do que estou tentando escapar? O que devo mudar, na minha forma de conduzir minha vida, para obter dela novas e melhores respostas? Por que acabo sendo irresponsável, querendo ignorar ou fugir a situações, alegando medos infantis, como foi o caso ao recusar-me à cirurgia? Será que eu quero me fazer de coitadinho, de angariar a piedade e, sobretudo, o reconhecimento dos outros fazendo-me de vítima folhetinesca daquelas que só se reconhecem vivas através do trabalho, nunca merecedoras de outros gozos senão aqueles proporcionados pela vaidade de um serviço supostamente bem feito?
Nesses dias de verdadeiro retiro espiritual, creio ter feito uma nova imersão nas águas purificadoras da alma, imergindo e sepultando um velho Alex para emergir para uma nova chance. Uma ressureição para uma nova consciência, disposto a aproveitar mais esta oportunidade, cheio de novas resoluções e disposto a rever conceitos há muito estabelecidos e que devem, certamente, estarem com seus prazos de validade vencidos. Vivi horas de profunda angústia, grande medo e muita dúvida, porém submeti-me à razão e às evidências, aceitando enfrentar o que me era proposto pelos médicos. O resultado dessa cirurgia foi muito além de cortes, sangramento e dores físicas, mas provocou uma alteração mental que eu poderia chamar de uma iluminação, uma epifania, ao realizar o quanto esse novo batismo, essa nova prova iniciática permitiu que eu ressurgisse com novas e amplas expectativas. Sem querer desrespeitar ou ofender os sentimentos religiosos de ninguém, é interessante também pensar que isso tudo me aconteceu praticamente ao final da Quaresma, um período reservado à introspecção e reflexão (os 40 dias que Cristo passa no deserto, privando-se e sendo tentado) e nos prepara para celebrarmos a auto-imolação do Salvador (e em todas as religiões temos Salvadores que se sacrificaram) pelo resgate da humanidade e o seu consequente renascimento, como um espírito totalmente elevado. Cada um está em um nível de desenvolvimento e tem uma missão a cumprir.
O Pendurado quando bem aspectado, numa leitura de tarot, dependendo das cartas que o acompanham e da questão proposta pelo consulente, pode simbolizar um tempo de espera, de renúncia, de meditação, de suspensão das atividades e do convívio social. Significa, também, um novo olhar sobre uma determinada situação, uma alteração de comportamento, o abandono de hábitos e vícios; recuar para poder avançar; abandonar a tirania do controle das situações. Traz consigo também a idéia de sacrifício, de desprendimento, de resignação, de apostolado, de abertura espiritual. É indicativo de um tempo de estagnação, de paciência, de aguardar resultados, de transição.
Em seu aspecto “sombra”, quando ocupa uma posição considerada negativa, ou de obstáculo, numa jogada, pode esta falando de dependência de drogas e outros tipos de vícios, de irresponsabilidade, de aprisionamento, de abandono, de revezes, amor não correspondido. Pode também, neste caso, simbolizar greve, traição, martírio; inversão de valores ou de papéis, inclusive os sexuais; vingança, rancor e inveja.
O patrono das quartas-feiras, Mercúrio, além de nos favorecer as comunicações, possibilita que extraiamos das experiências vividas os ensinamentos necessários que, analisados à luz da razão, passam a integrar o nosso repertório de “bóias salva-vidas” para todas as ocasiões que deles necessitarmos. A Lua entra hoje no signo de Escorpião, e como ela está em sua fase Cheia, intensifica as energias desse signo. Portanto é bom nos controlarmos, evitando sermos muito críticos ou impacientes. Não julgarmos para não sermos julgados. Pode nos deixar muito sensíveis a qualquer forma de crítica ou comentário e podemos querer resolver questões pendentes há muito, pois Escorpião vem para expurgar e eliminar. Bom senso, um passo atrás antes de reagir, dar-se um tempo para refletir e esperar que as altas ondas de incontrolável emoção voltem se acalmar é o conselho do Pendurado para dias como hoje. Mas, aproveitando que Escorpião significa, também, mudanças e podas de excessos, aproveite para abandonar hábitos nocivos, vícios que aprisionam, desintoxicar o corpo e a mente.
Feliz por estar de volta, tenhamos todos um ótimo dia, abandonando o que chegou ao fim, o que ficou para trás e… recomeçando!
Querido Alex, o acompanho anonimamente há pouco tempo por intermédio de uma amiga que se faz sua fã, por conta de suas postagens maravilhosas. Quero deixar aqui meu apreço e respeito por suas palavras escritas em razão da carta do tarô O Pendurado. Parabenizo-o pela clareza, desteza e simplicidade na escrita e por conseguir inserir em seus textos tantos detalhes precisos e delicados não só referindo-me ao que vivenciou, mas na relação estreita que faz com o significado do arcano.
ResponderExcluirAgora, gostaria de deixar uma pergunta para quem sabe, algum dia quando seu tempo propiciar: Por que temos medo de sentir medo? Porque ao antecedermos algo ou anunciarmos algum fato que eventualmente poderá ser evitado, nos pedem para parar? "Não, nem toque no assunto! Tudo vai dar certo."
Será um prenúncio do que acontecerá?
Será que estamos desejando que aconteça?
Bela palavra, o medo. Alvo de tantos estudos conclusivos e outros tantos, nem tanto assim.
Desejo a você, um recomeço forte, vital e simples, onde possa sentir de verdade todos os seus medos e dar vazão a eles de forma suave como a vida é.
Abraço.
Katya.