quinta-feira, 1 de abril de 2010

Carta do Dia: A MORTE



    Morte Há uns 15 anos, convidado por um amigo teólogo, assisti à cerimônia de compromisso de votos vitalícios de um candidato a monge, num mosteiro beneditino no Sul. Foi, como ritual, algo de uma belíssima coreografia abundante em simbologias. O candidato, no clímax da celebração, despe-se de toda a roupa (abandono da vida laica) e é vestido pelos demais membros daquela comunidade religiosa com o hábito da ordem escolhida (nascimento para uma nova vida, mais espiritual).

     Um casal que conheço, donos de um dos melhores e mais rendosos salões de cabelereiro, sempre “brincaram” que um dia largavam tudo e iriam passar o resto da vida conhecendo o mundo. Todas as economias foram aplicadas, por muitos anos, no pagamento de um veleiro e nas aulas de pilotagem desse tipo de embarcação. Assim passavam as férias, ano após ano, até que um dia o barco estava pronto à espera de seus ocupantes. O que fazer? Trocar a segurança de um negócio construído através de décadas por um “capricho”? Foi bem isso o que fizeram . Venderam o estabelecimento para seus próprios funcionários mais antigos, adiantaram a herança dos filhos e embarcaram na realização do sonho de toda uma vida (o encerrar de um ciclo, sem deixar nada para ser posteriormente resolvido). Viajam de porto em porto, de país em país, fazendo documentários e escrevendo livros a respeito. Encontraram-se (renovação a partir dos frutos colhidos).

     Participando de uma ONG, presenciei de certa feita, numa das maiores prisões do país, como parte do processo de preparo daqueles presos para uma nova chance de adaptação à vida em sociedade quando libertos, uma cerimônia de batismo realizada por um pastor evangélico. Aproximadamente 20 detentos entravam, um a um, numa pequena piscina plástica montada no pátio de um dos pavilhões, e era batizado “nas águas”. Confirmava naquele momento, ao final do cumprimento de suas penas, o arrependimento e o abandono de toda uma vida pregressa e aceitava “renascer” para uma vida espiritualmente mais plena e recebiam um”diploma” que lhes outorgava o título de evangelizadores, garantindo-lhes assim uma possível futura nova profissão.

     O único filho de um casal muito amigo formou-se em Direito com mérito e completou sua pós-graduação e doutoramento com as maiores notas. Evidentemente seu “passe” foi disputado por diversos e importantes escritórios de advocacia e “arrematado” pelo departamento jurídico de um dos mais importantes estabelecimentos bancários do país. Os pais exultantes. O filho, nem tanto. Com o passar das semanas e dos meses o rapaz, sempre bastante saudável, adoeceu diversas vezes, desmanchou um namoro de anos e, finalmente, desligou-se do tão importante e rendoso cargo (cortar, definitivamente, os vínculos com uma situação insatisfatória). Os pais tiveram muita dificuldade para entender quando o moço lhes disse que sempre quis ser instrutor de equitação numa escola que atendia crianças com autismo. O rapaz, hoje casado e com filhos, vive modestamente em termos de recursos, mas é a expressão da pessoa realizada (recuperação da auto-estima através da aceitação de seus propósitos mais elevados).

     Uma ex-colega de escola, na falta de trabalho, passou a trazer, informalmente,  artigos femininos do Paraguai para vender, primeiro para as amigas, depois expandiu para conhecidos, e até mesmo algumas lojas que admiravam o seu bom gosto na seleção daquele material. Tudo corria bem até o fatídico e previsível dia em que foi detida e autuada por não proceder de maneira legal e regularizada. Perdeu absolutamente tudo (corte radical): dinheiro, crédito, respeito e credibilidade. Ainda muito abalada, recebeu o telefonema de uma grande loja de departamentos para uma entrevista. Conheciam o seu trabalho e perceberam nela o potencial e as qualidades necessárias para ser “compradora” de uma determinada seção da loja. Empregada há anos e feliz, ela hoje ocupa de grande prestígio nesse mercado e, sobretudo, é alguém que permitiu-se viver uma segunda oportunidade (renascer das próprias cinzas).

     Esses são pequenos (mas enormes para quem os vivencia) exemplos do que a Morte, o injustamente temido Arcano XIII do tarot simboliza. Muito além da morte física, essa Morte é um processo de transformação radical que, na maioria das vezes, não deixa pedra sobre pedra e, exatamente por isso nos força a começar do zero, do potencial absoluto, construindo em cima de algo mais sólido (13 = 1 + 3 = 4, que é o número da estabilidade simbolizada pelo Imperador).

     Os presos convertidos a uma fé, além de poderem ser associados mais estreitamente à figura do Pendurado (ver a postagem de ontem), renascendo para uma vida mais espiritualizada, aquele processo de conversão conduzido pelo pastor é um mergulho em si mesmos, no reconhecimento de seus erros e culpas (o confessionário nas Igrejas e o divã no consultório dos analistas) e um rito de passagem que lhes dá uma segurança psicológica para novamente enfrentarem o mundo fora das grades, aceitarem os desafios e as dificuldades que certamente irão se apresentar, mas estarem dispostos a viverem vidas melhores, mais úteis (levando “a palavra” para outros necessitados de conhecê-la), menos arriscadas, mais produtivas e poderem vir a contribuir positivamente com a sociedade. (13 = 10 + 3 = a Roda da Fortuna e a Imperatriz = um novo ciclo de vida mais produtivo e amoroso).

     Renunciar a um estado de pseudo-segurança (pois nada é absolutamente previsível, garantido ou imutável), ainda que não esteja compensando emocional ou espiritualmente, é sempre muito difícil. Muitas são as variáveis a serem avaliadas e consequências a serem consideradas. Na maioria das vezes, essas decisões envolvem outras pessoas e não podemos prometer ou garantir nada. Mas qual é o sentido de uma vida quando visto apenas no seu sentido material? E o prazer, as alegrias, a satisfação de acordar a cada manhã sabendo-se vivo e feliz por ter mais uma jornada de um trabalho recompensador em todos os sentidos? Sim, porque quem faz o que gosta o faz com amor e, portanto, está muito próximo a colher resultados práticos (a tão buscada recompensa econômica).

     Pessoas que se submetem responsáveis e tranquilos aos efeitos transformadores do Ceifador, “brotam” mais fortes em ambientes livres das ervas daninhas que lhes afastava a energia do sol e a brisa que limpa e renova os pensamentos. É sempre um trabalho evolutivo. Mesmo quando associamos esse Arcano à morte física, ele representa o fim de um ciclo para que outro possa se iniciar. Precisamos morrer para renascermos. E para aqueles que não aceitam a idéia da imortalidade e experiência cíclica da alma, é preciso que nossos corpos mortos se decomponham para que outras formas de vida deles surjam. Em ambos os casos a Morte é uma mutação radical que acontece conosco em algum momento.

     Dependendo da questão proposta pelo consulente e da posição que a carta ocupa, entre as demais, numa leitura de tarot, a Morte pode simbolizar alívio com o fim de uma situação; liberdade; coragem; eliminar, limpar ou desapegar-se daquilo que já não nos causa o mesmo prazer; mudança no padrão de vida; fim de um relacionamento; surgimento de novas oportunidades; morte do ego; renascimento, renovação, regeneração e mudança; metamorfose e transmutação; rompimento definitivo; colheita; despedida; problemas em viagem; chegar à raiz do problema; aceitação dos ciclos e da necessidade de mudar.

     Quando surge como um obstáculo na leitura, a Morte pode ser indicativo de estarmos paralisados incapazes de aceitar as mudanças e as transformações necessárias ou inevitáveis; morte, luto, depressão, perda, medos, fobias, pânico. A vida da pessoa já pode ter mudado, mas ela não quer reconhecer o fato. Novas oportunidades podem estar aguardando o consulente desde que a Morte (de velhos hábitos  ou padrões de comportamento, além de apego à situações moribundas) seja aceita. Sofrer por ter de desistir ou abandonar a algo.

     Algumas são as situações onde é muito provável o aparecimento do Arcano XIII numa leitura e que podem estar se referindo à morte no sentido físico: quando um parente desencarnou recentemente; quando o consulente trabalha com pacientes terminais; quando a pessoa tem um medo irracional de morrer. Nesse caso a carta indica o medo, não a morte física. Pode ser indicativo, também, da importância e do impacto que uma morte (de qualquer pessoa) causaria na vida do consulente naquele momento.

     A carta da Morte, sucedendo à do Pendurado (postagem de ontem) vem complementar, no sentido prático, aquela tomada de consciência, aquele reconhecimento da necessidade de rever conceitos e reanalisar estruturas e métodos. Ela, a Morte, vem para preparar o terreno, limpar o velho e criar as condições ideais para o novo. É quando reconhecemos e aceitamos que não há mais condições de se evoluir em um determinado caminho. Que a árvore que plantamos está perdendo a sua potência e não produzindo mais frutos, necessitando que não temamos podá-la radicalmente.

     Esse Arcano nos leva a meditar o quanto podemos servir como instrumentos de transformação em nosso meio ambiente, junto à nossa família, nossos amigos, em nossas relações de trabalho e com a sociedade como um todo. É uma carta que simboliza nascimentos através de mudanças, de renovação. Fala-nos de Vida, em seu sentido mais amplo.

     Tenham todos um ótimo e renovador dia!

Imagem: TAROT NAMUR, por Prof. Namur Gopalla e Marta Leyrós (Academia de Cultura Arcanum)

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