Enquanto estive hospitalizado recentemente, visitou-me uma amiga que há anos não via. A última notícia que tive era de que estava morando no Sul, casada e muito feliz. Creio que não há notícia melhor do que saber-se que seus amigos estão felizes, não é mesmo?
Grande foi a minha surpresa ao vê-la chegar, assim, do nada, naquele quarto de hospital. Depois dos abraços, risos e cumprimentos, depois de tentarmos em 5 minutos, contarmos sobre os nossos últimos, digamos… 8 anos, perguntei-lhe do marido. Uma expressão muito enigmática turvou-lhe o sorriso sempre franco e fácil. Ela contou-me que haviam se separado recentemente e ela estava de mudança para cá. Claro que fiquei chateado sabendo disso e ela resolveu contar-me os motivos, tanto os do casamento como os da separação.
Conheceram-se num desses cruzeiros marítimos e quando chegaram à Buenos Aires já estavam profundamente apaixonados. Ele era o tipo de homem que toda (ou quase todas…) mulher sonha: profissional liberal com uma carreira solidamente construída e bastante famoso em sua área. Herdeiro de uma das mais tradicionais famílias brasileiras, havia multiplicado algumas vezes a herança recebida e amealhado uma verdadeira fortuna através do seu desempenho profissional. Viaja o mundo a convite, fazendo conferências e sendo professor convidado nas mais importantes universidades de alguns continentes. Brilhante é a expressão que as pessoas não conseguem deixar de usar ao se referirem a ele. Inteligente, culto, charmoso, educadíssimo, com um trânsito social invejável, elegante nas atitudes e nos menores gestos de atenção, cativou completamente minha amiga entre um pôr de sol no convés e um drinque à beira da piscina.
Casaram-se assim que retornaram da viagem e ele, como sempre, um verdadeiro gentleman, resolveu tudo o que era necessário para a transferência da nova esposa ao Sul do país. Cuidou da mudança, de alugar o seu apartamento, das necessárias alterações de contas bancárias, endereços de correspondência. Organizou o almoço para conhecer a família da noiva, tendo ele mesmo feito os telefonemas, escolhido o restaurante, sugerido os pratos para os convidados, enaltecido a sua escolha do vinho, sugerido as sobremesas e, surpresa!, ao final distribuiu os cartõezinhos com o novo endereço do casal. Tudo impecavelmente.
Os móveis da minha amiga, levados pela transportadora, foram deixados num local de armazenagem, já que a nova casa estava inteiramente preparada para recebê-la. Apartamento tríplex, com vista para um belíssimo parque, reformado e decorado por um dos mais famosos profissionais da área, era o sonho de consumo de qualquer pessoa interessada num imóvel de luxo. Empregadas que haviam sido, por longos anos, da família dele estavam à disposição da nova esposa, assim como o chofer para dirigir um dos seus “presentinhos” de casamento: um estupendo e blindado carro de luxo. Minha amiga, que havia vivido outros relacionamentos, não acreditava na própria sorte. Além de amoroso, encantador, sedutor e grande amante, seu novo marido era um provedor de luxos e requintes que ela só acreditava possíveis nos filmes, nos romances ou na vida de pouquíssimas privilegiadas. Agora ela era uma delas.
Com o passar dos meses algo começou a incomodá-la. Havia naquele profissional competentíssimo, naquele desportista perfeito, naquele reconhecido enólogo, no gourmet de gosto impecável, naquele referencial para assuntos e indicações culturais algo que lhe soava… excessivo. Era tão alto a aura de perfeccionismo que o cercava que minha amiga começou a sentir-se insegura. Não havia nada que ela fizesse que pudesse, em algum momento, em alguma situação, causar-lhe surpresa, ou interessá-lo, ou valer-lhe um grande e sincero elogio. Não que ele não fosse generoso ou de uma educação impecável. Não que ele, em qualquer momento a tivesse, deliberadamente, menosprezada, mas era exatamente assim que ela se sentia. Esse verdadeiro semi-deus era demais para conviver com uma simples mortal como ela. Ele necessitava, constantemente, exibir os seus talentos, a sua habilidade, o seu conhecimento, o seu poder, a sua simpatia e o seu refinadíssimo gosto e bom humor. Ela, apesar de saber-se amada por ele, sentia-se como platéia, relegada à escuridão do teatro da vida enquanto ele, e somente ele no palco, brilhava no papel principal.
Sem brigas, sem discussões, sem ressentimentos, separaram-se. Ele, cavalheiro até o final, cuidou para que o retorno dela à sua vida anterior fosso o mais prático e impecável possível. Os amigos que com eles conviviam mais amiúde é claro que nada compreenderam. Acharam mesmo que ela havia perdido a sanidade. Como abandonar, sem mais nem menos, aquele verdadeiro prêmio de um único acertador na mega-sena do amor? O que é que ela via de errado nele que os outros não conseguiam ver? “Nada”, justificou-se. “Apenas cansei de ser a cauda de um cometa.”
A carta do Sol, numa jogada de tarot, quando mal dignificada, numa posição de obstáculo, pode significar exibicionismo, egocentrismo, arrogância, querer ser o centro das atenções, exigir os refletores sempre voltados para si. Essa, sem dúvida, foi a questão enfrentada pela minha desenergizada amiga ao avaliar o seu relacionamento. Os próprios mitos nos ensinam que o excesso de brilho, de luz, de calor, de perfeição, queimam e sufocam. Apolo, o deus da Música, da Adivinhação, do Sol tinha uma grande dificuldade nos seus relacionamentos, pois suas amadas queimavam-se à sua aproximação. Não há auto-estima que resista à convivência com o excesso de força, poder e luz emitida por uma única fonte. Assim como a luz e o calor do Sol são necessários para que a semente germine e se desenvolva, o seu excesso resseca o solo e caustica as tenras folhas, negando-lhe a vida.
Mas é evidente que esse Arcano tem um lado pra lá de positivo e que promete muito otimismo e clareza mental quando aparece numa jogada. Ele é a representação do entusiasmo , da alegria, da libertação, do dia, da riqueza, dos ganhos, da prosperidade, dos benefícios, das energias positivas, da evolução, da criação, da solidariedade, do sucesso, do talento e da glória. Ufa!… Ele é o fogo criativo da vida. Representa individualidade (não apenas o isolamento provocado pelo egocentrismo), prazer, vaidade, liderança, auto-confiança, desejo, sensualidade, energia sexual. Ao sair numa jogada de tarot, o Arcano XIX pode estar simbolizando a chegada de um tempo de muita energia, de atividade, excitação e fé em si mesmo e no futuro, para o Consulente. É uma maneira às claras, racional, de lidar com as situações, tomar decisões e agir. Não é necessariamente uma decisão tomada a partir de análises frias, provas e pesquisas, como a da Justiça, mas, muito mais simplesmente, essa decisão é feita a partir de um olhar racional sobre o que é básico, fundamental à questão. Essa forma simples e lógica de encarar os fatos e encontrar soluções é o que contrasta o Sol com o Arcano anterior, a Lua, onde as fantasias e as emoções propiciam que a ação se torne difícil e, muitas vezes, tormentosa.
Minha amiga terminou a visita e nos despedimos, marcando muitos futuros encontros. À saída, voltou-se para mim dizendo: “Sabe, meu amigo, não me arrependo de absolutamente nada. Tudo foi quase perfeito, até o último momento. Eu só havia me esquecido que, por mais lindas e perfumadas que sejam as rosas, ainda assim elas escondem espinhos”.
Mercúrio é o regente das quartas-feiras e isso é sinal de uma energia canalizada para a inteligência, para o intelecto, favorecendo todas as formas de comunicação, bem como colaborando para que usemos a razão e a lógica de forma muito proveitosa. O Sol nos fala na necessidade de comunicarmos os que sentimos e exprimirmos os nossos sonhos, ajudando-nos, assim a concretizá-los. Um intelecto bem informado e esclarecido, que raciocina à luz da verdade, é o que nos impulsiona a fazermos escolhas mais apropriadas e seguirmos o nosso caminho. Com a Lua Minguante em Aquário, essa é nossa oportunidade de terminarmos pendências, abandonarmos nossos aprisionamentos (especialmente os mentais) e darmos vasão à criatividade e ao nosso lado social.
Tenham todos uma ótima e iluminada quarta-feira!
Muito bom o seu texto. Meus parabéns
ResponderExcluirDe Recife
A.