“Escrevo sobre o que me assombra.” – Lya Luft
“Gosto de ouvir o mar me dizer coisas que eu sonhei, sem saber.” - Herbert Vianna
“A obra de arte, fundamentalmente, consiste numa impressão objetiva duma impressão subjetiva.” – Fernando Pessoa
“Antes de um início brilhante é preciso que haja caos. Antes que uma pessoa brilhante inicie algo importante é preciso que pareça tola para os demais.” – I Ching
“O pensamento é apenas um lampejo entre duas longas noites, mas esse lampejo é tudo!”. – Henri Poincaré
“Tenho fases, como a lua. Fases de andar escondida fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha”. – Cecília Meirelles
Reunidos noutra noite, conversávamos sobre os processos de criação. Ou melhor, grupo de amigos curiosos que somos, queríamos saber, de um famoso escritor ali presente e de um outro amigo, talentosíssimo artista plástico, qual era, em termos bem simples e práticos, os seus respectivos processos de criação. Na verdade estávamos curiosos em saber de onde vinham aquelas idéias que, depois de escritas ou pintadas, passavam a ser colecionadas, mencionadas, discutidas e acabavam servindo de inspiração para muitas outras pessoas. Qual é a origem daquele manancial que, a nós, parece inesgotável e que nos fascina por dar vida a formas e imagens mentais que nunca nos ocorreram de forma racional, mas que, em alguns casos e em determinados momentos, parecem ser velhas conhecidas, existindo há muito dentro de nós.
Confesso que acabo sempre bastante frustrado quando esse tipo de questionamento surge pois as respostas costumam ser muito mais evasivas e voláteis que a própria idéia de inspiração que possuo. Sempre anseio por ouvir uma fórmula mágica, alguém que revele “o pulo do gato”, algo que possa ser aprendido e copiado. Algo que fuja às explicações que se equilibram entre o misticismo e a poesia, que respondem sem responder de fato. Que, sendo tão criativos em seus argumentos, fazem de suas respostas algo também… inspirado.”
“Muito simples”, disse o pintor. “Tranco-me sozinho no atelier e, sem pensar especificamente em nada, começo a brincar com as tintas e os pincéis, sem compromisso, sem a obrigação de estar criando uma obra-prima. Aprendi a abrir-me à fantasia, pura e simplesmente. Sem pudores”.
“Quando começo a escrever, não tenho exatamente consciência de onde pretendo chegar. Não tenho um enredo, uma estória, uma trama elaborada. Escrevo quase inconscientemente, sem assumir nenhuma responsabilidade com o assunto ou os personagens”. E, continuando, nosso amigo escritor explicou que muitas vezes a idéia brotava de um simples fragmento de sonho que tivera, ou mesmo da lembrança de algo que ele já nem mais sabia com certeza se tinha vivenciado ou ouvido em algum lugar. “No começo, sou um mero espectador, atento porém silencioso, buscando encontrar algum sentido naquelas palavras que vou digitando na tentativa de delinear flashes de pensamentos. Depois, se sinto que o caminho está correto, os próprios personagens e as situações vão contando suas estórias. Sou um mero escrivinhador, um organizador dessas vidas imaginadas. Fico no controle, mas não os censuro em momento algum. Minha mente racional é a gramática, a estória é um sonho consciente”.
“Eu, às vezes, estou cochilando na frente da TV e, quando desperto assustado, uma impressão de cor, uma forma parece tomar conta da minha mente, como se eu tivesse sonhado, numa fração de segundo, enquanto tento assistir ao futebol. Não faço nada para apreender aquela imagem. Ao contrário, deixo-me dominar inteiramente por ela. Permito que ela me envolva, me instigue, me assuste e me faça querer decifrá-la. No dia seguinte, ou algum tempo depois, ela volta mais forte, mais poderosa, mais definida e eu sei, então, que ali está a resposta ao enigma da minha visão. Tenho em minha mente um quadro pronto,” comunicou-nos com a maior simplicidade, nosso caro pintor, “basta apenas reproduzi-lo na tela”.
Penso nessa nossa conversa todas as vezes que tiro a carta da Lua, numa leitura ou para meditação. Nela está contido todo o mistério , os sonhos, as imagens que nos assombram e os mitos que pelos quais nos guiamos. A Lua é o elo de ligação entre a inspiração e o processo visionário da Estrela e o novo, criativo e brilhante dia prometido pelo Sol. Se somarmos o número dessa carta (18 = 1+8= 9, o Eremita), temos o mergulho do auto-conhecimento, a necessidade de iluminar as trevas interiores, a revelação das verdades. É o mundo da mágica, da ilusão (1 = o Mago) onde precisamos nos utilizar da lógica e da busca da verdade (8 = Justiça) para fazermos a transição desse mundo das sombras (a Lua) para o da luz (o Sol).
O poder da Lua revela partes de nós que normalmente são mantidas escondidas, pelo menos da nossa auto-imagem consciente. A letra hebraica adotada por diversas ordens místicas para esse Arcano e Tzaddi, que significa “anzol”. O próprio desenho da letra lembra um peixe sendo fisgado no mar. Agora, como o mar representa as energias amorfas do inconsciente, o peixe acaba simbolizando essa energia tomando forma. O anzol é a mente entrando nos grandes mistérios guardados pela Sacerdotisa e expondo idéias, conceitos, a beleza dos padrões estéticos. Sendo uma carta mística, ela nos transporta para dentro de uma realidade sagrada que fica muito além dos sentidos e percepções ordinárias.
O signo de Peixes, associado com os sonhos e as experiências psíquicas está associado à Lua, que, astrologicamente rege o signo de Cancer, cujo símbolo é um caranguejo. Na maioria das cartas que representam o Arcano XVIII temos a figura de uma lagosta (animal de sangue frio, cuja carapaça rígida é o seu próprio esqueleto e é um dos animais que menos evoluíram através dos milênios) e que nos remete à idéia de investigarmos o fundo do mar do nosso inconsciente permitindo que, com a força de atração exercida pela lua, emerjam segredos, ansiedades e temores bem guardados. Assim como as garras de uma lagosta podem agarrar e prender firmemente algo, também uma imagem, um sonho, uma ilusão, uma fantasia pode emergir das profundezas e tomar conta de nós com bastante força. Além de ser a carta de sonhos que podem nos aprisionar, a Lua é também a carta dos mitos. Os mitos, como os sonhos, são verdadeiros quando nos tocam de uma maneira que não pode ser explicada de forma racional.
Sócrates, mencionado por Platão, dizia que enquanto acreditamos estarmos vivendo na superfície do mundo, na verdade nós vivemos abaixo dela, incapazes de vivenciar o seu esplendor devido à forma que vivemos o nosso dia a dia. Ficamos, assim, impedidos de experimentar, dentro e fora de nós mesmos, a teia de beleza e significados que une cada partícula que compõe o Universo e que nos conecta a ele. O próprio Platão dizia que vivemos numa caverna acreditando que as sombras que vemos projetadas nas suas paredes seja a realidade, quando o mundo real está fora daquele esconderijo.
A Lua pode simbolizar, portanto, numa leitura de tarot, uma período em que a imaginação do consulente está muito ativa, proporcionando-lhe fantasias, pesadelos, devaneios. Esperanças e medos podem estar exagerados, indo e vindo incessantemente, pois é comum que, sob a influência lunar, as emoções fiquem exaltadas. O consulente pode estar mais preocupado com seus sentimentos e emoções do que com assuntos mais práticos como, por exemplo, trabalho. Essa é uma fase em que a pessoa sente-se inclinada a canalizar essa força imaginativa numa atividade criativa, mas essa energia é caótica, difícil de ser direcionada, distante da disciplina artística ou dos rigores da técnica. A Lua pode estar simbolizando, também, uma necessidade de vivermos algumas fantasias, de nos abrirmos para novos sentimentos e sensações e até ao medo, ainda que devamos compreender que essa carta não representa, necessariamente, experiências assustadoras. Numa tiragem esse Arcano pode ser indicativo de que o consulente está controlando demais suas emoções e que necessita deixá-los manifestarem-se mais livremente. Se a carta do Eremita estiver próxima à da Lua, pode estar enfatizando a necessidade da pessoa ficar sozinha e explorar melhor as suas visões, deixando correr livre a imaginação. É também um carta indicativa de gestação, de gravidez.
Se a carta da Lua sair numa posição de obstáculo, ou noutra em que deva ser interpretada como invertida, ela pode estar alertando o Consulente que está na hora de retornar ao mundo real e dedicar-se a atividades mais “solares”, percebendo o mundo por uma ótica e experiência mais real. Assim como a lua passa por fases distintas, de crescente a cheia e, outra vez, a nova, nós também vivemos a Lua em intensidades diferentes durante a vida. Também deve-se considerar a possibilidade, ao retirar-se esse Arcano, numa jogada, que o Consulente está conscientemente bloqueando o seu inconsciente, impedindo de deixarem vir à tona as visões e emoções que estão se formando, talvez por medo de enfrentá-las. A Lua também representa, e muito apropriadamente, pessoas que exercem trabalhos ou atividades noturnas, bem como aqueles que não abrem mão de uma “balada”, ou que assistem televisão até altas horas até dormirem, numa tentativa de bloquearem sentimentos, pensamentos ou imagens do inconsciente. É evidente que sempre temos que levar em conta a questão formulada pelo Consulente, bem como o lugar que a carta ocupa na disposição escolhida e das demais cartas que a seguem.
A Lua Minguante que começa hoje representa o processo de finalização de um ciclo e, portanto, é um ótimo momento para revermos assuntos que ficaram pendentes. Estamos mais propícios a relevarmos erros cometidos por nós ou contra nós, pois nossa agressividade também fica em baixa. Capricórnio é onde a lua está entrando e não devemos esquecer que esse animal emergiu das águas do inconsciente para atingir uma alta racionalidade. Portanto é um bom momento para darmos ouvidos à nossa voz interior, à nossa intuição e prestarmos muita atenção aos nossos sonhos e às imagens mentais e sentimentos que tivermos. Ficar receptivo e, calma e tranquilamente, buscar um significado que possa ajudar na própria evolução. A escuridão lunar é apenas o prenúncio do Sol que está se preparando para, inevitavelmente, renascer.
Uma ótima e inspirada terça-feira para todos!
PORQUE OS LOBOS UIVAM À LUA?
ResponderExcluirHá uma passagem na novela “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, em que Romeu declara a Julieta que “jura pela Lua” o seu amor por ela.
Em contrapartida, Julieta replica “não jures pela Lua, a Lua inconstante, que a cada dia muda a sua rota no céu”.