Grande parte das tradições religiosas e das práticas espirituais se propõe a distrair nosso pensamento dos aspectos mais mundanos da existência e dirigi-los a um patamar mais elevado em termos de consciência social e de espiritualidade. Espera-se que tenhamos fé e que nos conduzamos seguindo uma série de normas pré-estabelecidas que determinam que devemos nos ajudar mutuamente e não ferir, sob qualquer forma, ninguém. O Diabo, Arcano xv do tarot, representa aquele que não segue essas regras.
Margo Channing é uma das maiores estrelas da Broadway e, apesar de seu inigualável sucesso, ela começa a apresentar sinais de envelhecimento, o que por certo limitará o número e a importância dos papéis que poderá vir a representar. Uma de suas melhores amigas, esposa do autor da peça que ela está protagonizando, apresenta-lhe uma jovem e bela moça, chamada Eve que diz ser a maior fã da atriz e que assiste a todas as apresentações de qualquer peça em que ela atue. Margo sente-se envaidecida com tanta dedicação e adoração, simpatiza-se de imediato com Eve e lhe oferece um emprego como assistente pessoal.
Margo, a grande estrela, é vítima da vaidade e do orgulho. Com a auto-estima naquele momento abalada pelo natural ciclo de envelhecimento e a possível perda do reconhecimento, prestígio e poder que desfruta (orgulho), deixa-se seduzir pelas adulações de uma fã (vaidade).
Eve começa, então, o seu trabalho em suplantar Margo, planejando tornar-se sua substituta e forçando até a melhor amiga da estrela a sabotar o seu carro obrigando-a a perder a hora de entrar no palco. Eve, maquiavelicamente, convida todos os críticos teatrais da cidade para o espetáculo daquela noite, quando ela, como substituta de Margo, se apresentará. A noite acaba sendo um grande triunfo e ela ainda aproveita seu momento de sucesso para tentar seduzir o namorado de Margo, que a recusa.
Eve, a “malvada”, a diabólica _ reparem a associação, proposital, do nome (Eva, a causadora da Grande Queda) _ utiliza-se de todo um repertório de recursos amorais ou éticos para obter o que deseja: a fama (novamente a vaidade) e o consequente poder que ela atrai. Maquiavelicamente porque, em sua obsessão, os fins justificam qualquer forma de ação ou elemento a ser empregado. Consequências não são levadas em consideração desde que as recompensas egoístas sejam obtidas.
Ameaçando revelar a participação da esposa de um famoso escritor no esquema de sabotagem do carro da estrela, ela assegura para si o papel que havia sido originalmente escrito para Margo em uma nova produção. Para conseguir seu intento de galgar rapidamente a carreira e tornar-se a grande estrela que deseja, ela seduz, inclusive, um dos mais importantes críticos teatrais e grande amigo de Margo.
Chantagem, suborno, corrupção, malícia, sedução, traição, infidelidade, desonestidade, troca de favores ilícitos, luxúria, amoralidade, luta pelo poder, são as armas que Eve usa para conseguir o seu intento, não se importando com quem possa prejudicar.
Pouco antes da estréia de sua nova peça, Eve conta ao seu amante, o respeitado crítico teatral, que o seu próximo passo será casar-se com o teatrólogo, cuja esposa ajudou-a no plano de sabotar o carro de Margo. O crítico toma então consciência que ele foi apenas usado por ela e ameaça-a de destruir sua reputação e carreira, contando tudo o que sabe sobre as mentiras e golpes do seu passado, a não ser que ela permaneça sendo sua amante, esquecendo essa estória de casamento.
A ambição desmedida, que bem podemos entender como ganância, e a obsessão em obter o que deseja, torna Eva escrava de seu próprio plano, vedando-lhe qualquer consciência moral ou ética, afastando-a da realidade, limitando-a a um único objetivo, estando incapacitada para avaliar o quanto dela mesma está sendo perdido nesse processo. Para viver o seu plano materialista, acaba escravizada ao medo de ter seus segredos e seus esquemas expostos, manipulada pelo ciúme e pelos desejos dos outros.
Eve transforma-se, finalmente, na maior estrela da Broadway e ganha um importante prêmio por sua atuação na nova peça. Ao voltar para casa ela encontra uma jovem e deslumbrada fã que havia, usando de alguns artifícios, entrar em seu apartamento. Essa jovem, chamada Phoebe além de declarar sua mais profunda adoração pela estrela, ajuda-a a despir-se para dormir e oferece-se para servir-lhe como assistente. O crítico e amante chega ao apartamento trazendo o prêmio que Eve havia esquecido. Phoebe apresenta-se e, sem perder tempo, sutilmente insinua-se para o amante de sua nova patroa. Depois que ele vai para o quarto de Eve, Phoebe experimenta a roupa de gala da estrela e segurando o ambicionado prêmio, vê-se refletida no espelho, agradecendo aos aplausos de um público imaginário.
A compensação por atingir de maneira invejosa, deplorável e criminosa, dentro de um esquema de normas sociais vigentes, o sucesso pretendido, vem na forma de retribuição: ela será vítima da dos mesmos estratagemas, da mesma falta de pudor, limite e caráter que se utilizou para realizar-se. A sua Torre de marfim está prestes a cair, com a chegada de um novo elemento (Phoebe) que, ao começar ensaiar seus primeiros passos na trilha já percorrida por Eve, irá, provavelmente construir o seu próprio pódio às custas dos destroços da estrutura erigida por Eve em solo condenado pela megalomania, desonestidade e ilusão.
Quando o Arcano XV aparece numa leitura de tarot, dependendo sempre do lugar que ocupa na jogada e nas demais cartas que o acompanham, além, é claro, da questão proposta pelo consulente, pode significar, uma situação opressiva ou um mau relacionamento. O Diabo pode significar que o consulente está experimentando algo excitante, ainda que potencialmente perigoso, ou, no mínimo, proibido. Na maioria das vezes, a saída dessa carta não significa nada de tão drástico, mas pode referir-se a algum tipo de tentação. Se pensarmos em termos de sensualidade, a aparição do Diabo representa a possibilidade da pessoa estar numa fase em que necessita de intensa gratificação física. Ou então que se está confundindo desejo sexual com amor. O Diabo pode também simbolizar um precipitado, infantil e inconsequente “jogar-se de cabeça” em situações que podem parecer altamente atraentes e sedutoras, mas que no fundo escondem grandes perigos. Simboliza, também, estarmos escravizados pelos nossos medos, ou das nossas convicções, sem abertura para um raciocínio lógico e claro. Representa, também, o aprisionamento dos vícios, de hábitos que não são absolutamente saudáveis. É também indicativo de não querer enxergar a realidade deixando-se levar pela ilusão. A ambição desmedida e o apego ao dinheiro e a tudo o que se refere com bens materiais e ao poder temporal, é um sintoma da ação negativa do Diabo. Estar vivendo uma mentira ou deixar-se escravizar ou manipular por outro também são situações simbolizadas pelo Arcano XV.
Mas essa carta, como todas as demais, também possui um lado que equilibra os seus aspectos mais comuns. No caso do Diabo, quando aparece bem aspectado numa leitura de tarot, pode estar sugerindo ao consulente que é chegado o momento dele encarar de frente o seu lado “sombra”, os aspectos sombrios da sua personalidade. A libertação só acontece através do auto-conhecimento. É o momento de romper-se com as algemas da escravidão, inclusive aquela auto-imposta. Tempo de dar as costas à ilusão e permitir a enfrentar a realidade e sua verdade. O consulente está amadurecido o suficiente para não se deixar abater ou ter a sua auto-estima diminuída com frases do tipo: “Prefiro chorar num Rolls-Royce a ser feliz num Fusquinha”, ou “Ela é tal e qual a mãe!”, ou ainda “As mulheres são todas iguais”, além daquela famosa: “Nem adianta tentar. Eu sei que você não vai conseguir”. É tempo de aceitar as próprias limitações e não ser submisso às opiniões alheias. Significa, também, fertilidade e criatividade. Pode estar prenunciando a chegada de um tempo de grande conforto material, com dinheiro fluindo de forma fácil e rápida.
O Diabo é o rei das ilusões. Todos os desejos são por ele concedidos, mas nenhum satisfaz completamente. Nossas ligações com o nosso lado sombra também são, de uma certa forma, ilusórios, pois sendo capazes de gerir o nosso livre arbítrio (15 = 1 + 5 = 6, os Amantes), podemos nos perdoar e mover em direção à luz da razão, do raciocínio lógico aplicado aos nossos interesses e à nossa evolução espiritual (15 = 10 + 5 = a Roda da Fortuna + o Hierofante = a possibilidade de mudarmos as situações para nos religarmos ao nosso Eu Superior). O Diabo representa limites e um preço muito alto a ser pago.
Saturno, o planeta regente deste Sábado, ajuda a manter a nossa impetuosidade natural sob controle, impõe a necessária disciplina para que possamos reconstruir nossas bases de maneira sólida e com mais sabedoria. A Lua Cheia em Sagitário nos estimula a reconquistarmos a liberdade que pode ter sido comprometida na criação de situações negativas, e a nos afastarmos de pessoas a quem estivemos presos em relacionamentos pouco compensadores. A energia positiva do Diabo, aproveitada nos seus aspectos de criatividade, energia, rapidez, auto-confiança e carisma podem nos garantir o início de novos e férteis projetos. Invista nessa energia!
A todos, um ótimo sábado, pleno de possibilidades criativas!
Observação:
O exemplo (em azul) acima nada mais é do que o resumo de “A Malvada”, famoso filme dos anos 50 chamou-se, até que apropriadamente, aqui no Brasil. Com um elenco estelar liderado por Bette Davis, foi e ainda é sucesso pelo seu enredo e pelos diálogos brilhantemente escritos. O que poucos sabem é que não é pura ficção. Aproximadamente 10 anos antes do roteiro ser filmado o autor ouviu essa estória de uma famosa atriz austríaca Elizabeth Bergner, chamada de “ a Garbo dos palcos”, que viveu, na pele, os tormentos da protagonista.
Olha, eu queria agradecer, (na verdade não só este, mas os outros inúmeros posts que li hoje sobre essa carta) Pedi ao tarot uma carta para meditar e eis quem me aparece!!!
ResponderExcluirÉ tenho bastante coisa pra refletir
e mais uma vez, Obrigada ao universo!
Esta é, no meu parecer, a melhor interpretação deste Arcano Maior ou aquela com que mais me identifico.
ResponderExcluirPara quem, como eu, faz a tiragem, tendo em consideração as 12 casas astrológicas, sempre me inquietou e inquieta a presença do Diabo na 12ª casa.
Aqui fica o desafio para uma interpretação sobre este posicionamento, no qual, para mim, o Diabo adquire todo o seu significado, através de experiências directas ou intuitivas inconscientemente determinadas pelo inconsciente.
Salvo melhor interpretação, é na 12ª casa que o Diabo se assume como o Imperador.
Bastante interessante seu comentário, Cavaleiro Errante. Realmente o Arcano XV possivelmente sinta-se mais "em casa" na 12ª da mandala astrológica. Também concordo que esse Arquétipo é um bom administrador e, como tal, tem consciência e sabe usar o Poder que tem em seu próprio benefício (alguém falou "Imperador", por aí?). Pois é, tal qual o Imperador, ele (o Diabo) conhece bem o seu "reino", seus "súditos" e sabe como conduzi-los à sua vontade a fim de realizar seus desejos. É na clandestinidade, nos lugares mais ocultos da nossa mente, entre nossos medos mais primais e nossos instintos mais exaltados que ele reina. É no submundo, no inconsciente, nas sombras, entre o que queremos esconder e negar, entre aquilo do qual nos envergonhamos ou nos desumanizamos que esse Hades exercita sua sedução, que em verdade é o seu mais evidente instrumento no exercício de força e autoridade. O Imperador, sua cópia-carbono, é solar e seus domínios mais previsíveis. Como bom pai, nos cria para o Mundo, livres em nossas escolhas. O Diabo, por sua vez, nos mantém prisioneiros voluntários, iludidos e entorpecidos com a disponibilização de prazeres básicos, e, por isso mesmo, tão viciantes.
ExcluirNa realidade, o Diabo, já o dizia o escritor português Eça de Queirós, é a figura mais dramática da História da Alma Humana.
ResponderExcluirEu o associo a Plutão (que se encontra no limiar do ponto de charneira da que é considerada a fronteira do sistema solar) e, como tal, dou-lhe uma conotação menos negativa, pois o considero um cruel agente de transmutação.
Afinal, o fogo purifica e só mesmo o cavalheiro mais sedutor é capaz de esconder seu apetite carnal.
Não nos podemos libertar se não mergulharmos no âmbito do conflito.
O Diabo tem de existir para que o Sol se manifeste!