quarta-feira, 24 de março de 2010

Carta do Dia: O HIEROFANTE

Papa      A Rússia do final do Século XIX e início do Século XX conheceu na dinastia Romanov a mais alta concentração de poder e domínio de seu tempo, e também a mais rica, ofuscando com suas jóias, palácios, iates, catedrais e obras de arte todas as outras casas reais européias. Reinavam sobre uma extensão de aproximadamente 15% da superfície do globo terrestre e o Czar era o representante de Deus na terra, o que caracterizava o regime autocrático. Sua vontade era lei e tinha poder de vida e morte sobre todos o povo russo, dono que era, por herança divina,  dos destinos de cada cidadão. A opulência que desfrutavam desconhecia precedentes, vivendo isolados numa bolha de luxo e hedonismo que lhes embaçou a percepção de que novos tempos estavam despontando, onde esse tipo de comportamento e de uso dos recursos públicos não seria mais aceitável.

     Grigori Yefimovich Novykhn, que ainda na juventude ganhou o óbvio apelido de “Rasputinik” (Rasputin = pervertido) devido à sua predileção pelas mulheres, pela vodca e pelas brigas com os vizinhos, cresceu na Sibéria, filho de humilde família de agricultores. Talvez influenciado pelo misticismo e alta religiosidade de sua terra natal, desde jovem manifestou sinais de uma capacidade premonitória, alertando para fatos futuros. Com o tempo, e decidindo-se a abandonar família e filhos para visitar locais considerados de peregrinação religiosa, tornou-se adepto de uma seita chamada Khlysty (Flagelantes), que pregava a salvação da alma através do ato sexual. Apesar de nunca ter sido ordenado monge ou sacerdote, sua fama como “homem de Deus”, curador e vidente espalhou-se consideravelmente, tendo o povo aparentemente se esquecido de seu passado devasso e decidido considerá-lo um sábio religioso. Ele mesmo afirmava que havia recebido de um anjo uma revelação, enquanto arava a terra em sua Sibéria natal, de que sua missão seria a de curar e ajudar o seu semelhante.

  rasputinBBC1711_468x556    Rasputin chega a São Petersburgo numa época em que a dinastia Romanov não mais gozava de popularidade entre os russos. As altas autoridades clericais, desejosas de encontrarem alguém que pudesse assumir as funções de líder e transitasse com desenvoltura e empatia entre todas as classes sociais unindo-as no seio da Igreja, encontrou na estranha, porém carismática figura desse místico a pessoa ideal. Através de uma nobre, amiga da Czarina que a ele foi atribuída a sua miraculosa cura, Rasputin chega ao palácio real onde o Czar Nicolas II e a Czarina Alexandra viviam em função da saúde de seu filho hemofílico. Não só ele passa a cuidar e recuperar o jovem herdeiro através de mantras e orações incompreensíveis, repetidas por horas a fio, como conquista a amizade e a confiança da Czarina, de quem se faz conselheiro. Em pouco tempo estende sua influência nas decisões do Czar e passa a ocupar o papel de um primeiro-ministro ou um chefe de estado. Enfim, torna-se a “eminência parda” do governo, aquela figura que é quem realmente manipula os cordéis da vida política e palaciana, mandando e desmandando e usando o real chefe de estado como seu porta-voz.

     O Czar Nicolau II, voltando da I Guerra Mundial, em 1916, encontrou a Rússia numa situação calamitosa, onde a fome, a doença e o descontentamento grassavam. Outros integrantes da casa real decidiram então que era chegada a hora de dar um basta à inefável presença daquele místico no convívio com a Czarina e seus filhos e sua nefasta influência no seio do governo. Decidiram, então, assassiná-lo, tarefa essa que foi de dificílima execução pois, apesar de envenenado e baleado, Rasputin teimava em sobreviver. Finalmente foi abatido e seu corpo jogado num rio nas proximidades. Seus algozes foram beneficiados com penas como desterro benigno e sua certidão de óbito atestava morte acidental.

     Mas o estrago causado pelos seus anos de influência estavam feitos. Quinze meses depois de sua morte, toda a família real foi morta pelos revolucionários bolcheviques, declarando assim o fim da dinastia Romanov e o nascimento de uma nova Rússia.

     1984-1 A figura do Hierofante pode representar uma pessoa _ um guru, um conselheiro, um mestre, um professor, um mediador_ alguém que poderá nos dar bons conselhos e ser de confiança. Rasputin é um exemplo do lado “sombra” desse Arcano. Vemos, através da história e em todos os países e continentes, figuras como essa, que subreptíciamente comandam a vida e o destino de milhões utilizando-se de poderes e ligações, utilizando como porta-vozes de suas discutíveis, senão abjetas orientações, os poderes legalmente constituídos. Vemos isso, na atualidade, por exemplo, na figura de líderes religiosos que comandam execuções em massa, incentivando ataques terroristas, prometendo o Paraíso para quem assassina em nome da fé. Na manipulação da opinião pública feita pelos meios de comunicação quando não conseguem serem verdadeiramente autônomos dos poderes governamentais ou instituições a quem prestam serviços. Quem se interessar em ler “1984”, o fantástico  e bastante premonitório livro de Georges Orwell, irá encontrar essa figura na pessoa do “Big Brother”, o Grande Irmão”, verdadeiro arauto de verdades, de presença quase que imaterial, e que manipula a história e a forma de pensar dos cidadãos para melhor atender aos interesses do Partido. Leitura obrigatória!

    dead-poets-society-1 Felizmente, entretanto,  muitos são os exemplos positivos desse arquétipo e, entre eles, podemos citar, para ficarmos na área das artes, a daquele professor simpático, entusiasta, pronto para se doar inteiramente na condução de seus alunos à descobertas que lhes sejam importantes. Estou falando de John Keating (interpretado por Rob Willians), o não-convencional professor do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. Esse verdadeiro e iluminado mestre insiste que os alunos encontrem e discutam novas possibilidades acerca do mundo em que vivem e dos parâmetros de disciplina e comportamento que lhes são impostas.  A quebra de barreiras impostas pela sociedade, família e instituição, é incentivada por John Keating no intuito de despertar nas jovens mentes novos sentimentos, inclusive o de valorização da própria vida, o que justifica a expressão “carpe diem” através do filme. Ser conformista, aceitar verdades sem discutí-las ou averiguar sua validade, legalidade, função e procedência, não deve ser uma atitude a ser adotada.

     Quando o Hierofante (ou Papa) aparece numa leitura de tarot, dependendo da sua posição no esquema de jogo e das demais cartas que o acompanham, além da questão formulada pelo consulente, pode significar um tempo em que os padrões tradicionais estão exercendo grande influência. Frequentemente simboliza, conformismo, agir de acordo com o que a sociedade espera e não conforme a sua vontade, tipo quando a gente escolhe uma profissão ou casa-se com alguém que não seria a nossa escolha, mas que acaba agradando à família. Pode também significar uma forte influência religiosa, levando o consulente a modificar seu estilo de vida e suas escolhas para seguir preceitos religiosos tais como não usar preservativos ou outros métodos anticoncepcionais,  não se divorciar. Submeter-se a regras impostas por grupos, organizações, clubes, escolas, universidades e até mesmo à burocracia governamental e a determinadas instituições sociais como o casamento. O Hierofante é a própria instituição do casamento, com todos os seus rituais, leis e votos de fidelidade. Isso pode funcionar muito bem para muitos, representando um ato solene de compromisso. Para outros que vivem juntos, porém sem terem se submetido às formalidades, o Hierofante, numa leitura, pode simbolizar que eles criaram uma vida com o mesmo suporte emocional, material e espiritual daqueles que se uniram seguindo os padrões mais convencionais. Vemos essa dicotomia também se o assunto for ensinamentos ou estudo pois essa carta significa o valor do conhecimento e da educação. Pode estar se referindo, por exemplo, a um tipo específico de ensinamento religioso, ou espiritual, talvez de uma ordem ou seita mais esotérica. Se estiver se referindo a doutrinas e não temos a presença da Alta Sacerdotisa acompanhando-o, pode significar que essas doutrinas perderam o seu significado e valor intrínseco. O Hierofante também simboliza que ensinar é também aprender.

     Quando mal dignificado numa disposição de leitura, esse Arcano pode estar se referindo a um casamento ou um relacionamento de longa data onde a paixão que o inspirava, motivava ou justificava se extinguiu. Ou estar indicando um estado de vulnerabilidade, de fragilidade, de dificuldade de adaptação do consulente. Pode estar também indicando doutrinas, dogmas ou idéias que perderam o seu significado. Muito frequentemente o Hierofante pode estar indicando alguém que não é ortodoxo, que é bastante original. Isso pode representar uma situação em que a pessoa aceita novas idéias apenas porque são… novas! Simplesmente atraída pelo frescor e excitamento da novidade. Conhece alguém que já percorreu todo o repertório de doutrinas, religiões, seitas e manifestações espirituais e que “ainda não se encontrou”? Pois é…

     Uma coisa que é importante quando meditamos sobre o Hierofante e percebermos que por mais que acreditemos em determinados princípios e tenhamos fé em algo, os outros também possuem suas convicções. Respeitar essa liberdade de pensar é condição básica da própria idéia de liberdade.

     Nesta quarta-feira, tendo Mercúrio como patrono do dia, o aprendizado, o conhecimento, novas maneiras de pensar, o uso da razão e da lógica, além da facilidade de comunicação estarão exaltados e altamente propícios. É tempo de ensinar, e consequentemente de aprender algo! Aproveite todas as chances que lhe forem oferecidas para desenvolver um novo conhecimento, uma nova forma de ver a vida, de compreender os seres humanos e as suas necessidades. Distribua generosamente o seu conhecimento, sem pretender que ele seja aceito como uma verdade absoluta. A Lua, em seu quarto crescente em Cancer nos faz mais vulneráveis a nos abrirmos a novas experiências, tornando-carpe-diem nos vulneráveis e, de certo modo, inflexíveis. Ainda assim podemos contar com a coragem, a paixão e a impetuosidade de Áries para ultrapassarmos essas dificuldades.

     Aproveitem as oportunidades que a vida lhes oferece, no momento em que essas oportunidades lhes são oferecidas. Todos os dias. Isso era o que Homero quis ensinar com o seu “carpe diem” (colham o dia), e é um sábio conselho que sobrevive há 2.000 anos.

     Muita luz para todos!

Imagem: TAROT NAMUR, por Prof. Namur Gopalla e Marta Leyrós (Academia de Cultura Arcanum)

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