Encontrava-se, um dia, Apolo, sentado em seu resplandecente trono, cercado dos Dias, dos Anos, das Estações, das Musas, em seu palácio, quando à sua frente surgiu Faetonte, seu filho com a mortal Climene, uma ninfa. Faetonte lá se dirigira para solicitar ao seu divino pai que o ajudasse a provar ao mundo que ele era seu filho, já que as pessoas na Terra zombavam dele, dizendo que não só sua mãe, mas também seu pai eram meros mortais.
Apolo, comovido com o sofrimento do filho e com seu pedido de ajuda, jurou-lhe que, fosse qual fosse a forma que ele gostaria de realizar o seu pedido, ele o ajudaria, dando-lhe sua palavra de deus. Faetonte, então, pede-lhe que o deixe, apenas por um dia, dirigir a sua carruagem alada do sol. A expressão de Apolo torna-se séria, angustiada e temerosa, pois bem sabe que seu filho não está capacitado para percorrer a imensidão dos céus, enfrentando a subida íngreme da Aurora, a entontecedora altura do carro quando atingia o meio do dia e, depois, a acelerada e quase incontrolável descida rumo ao Poente. Ele mesmo, o próprio deus, sentia-se abalado pelo medo pela altura e o veloz percurso do seu dourado carro. Uma vez mais, suplica bom-senso a Faetonte, dizendo-lhe que considere, também, o fato de que ainda não tem a força e a destreza necessária para, com firmeza, administrar e conduzir todas as manobras.
Mas Faetonte estava irredutível em seu pedido e, como Apolo lhe dera sua sagrada palavra, foi conduzido pelo pai às estrebarias, onde se deslumbrou com a beleza do ouro e da prata e com o fulgor das pedras preciosas que adornavam o veículo. Como o alvorecer já se fazia notar no leste, e as Horas já haviam atrelado os cavalos, Apolo cobriu o rosto do filho com um mágico unguento e deu-lhe os derradeiros conselhos finais, suplicando-lhe que usasse apenas as rédeas para conduzir, evitando as esporas, que feriam e descontrolavam os animais. Pediu-lhe também que se mantivesse afastado dos Polos Norte e Sul, e que não queimasse a Terra, voando muito próximo a ela e nem a resfriasse, mantendo-se em grandes altitudes. Enfim, que mantivesse controle e sobriedade, percorrendo o trajeto de maneira equilibrada, segura, constante.
Faetonte então saltou dentro do iluminado veículo e os cavalos, num salto, começaram a sua jornada diária. Como o carro estava mais leve que de costume, os animais começaram a vaguear rapidamente pelo céu, aproveitando a inexperiência de seu cocheiro. O carro afastava-se cada vez mais da terra e da rota traçada. A altura era imensa e Faetonte, enregelava-se de pavor, entorpecido com a velocidade, o frio e o ar rarefeito, para, no momento seguinte, em disparada, os cavalos se aproximarem a espantosa velocidade da Terra queimando plantas e animais, secando rios e fontes.
Aterrorizado, Faetonte, soltou as rédeas que guiavam os animais o que fez com que os cavalos, sentindo-se livres, entrassem por regiões desconhecidas dos céus, para no instante seguinte estarem novamente sobrevoando, a grande velocidade, o fogo que queimava a terra. A fumaça e as fagulhas finalmente envolveram o brilhante veículo e começaram a queimar os cabelos do jovem, inexperiente e pretensioso cocheiro, fazendo com que que ele, desesperado, caiu do carro e foi lançado das alturas no oceano lá embaixo. Apolo, seu pai, que a tudo presenciara, entristecido, baixou sua luminosa cabeça e cobriu-a com seus lamentos. Lá embaixo, sem a presença do sol, apenas o avermelhado incêndio iluminava a escuridão.
A lenda de Faetonte exemplifica a busca de um lugar no mundo que lhe seja próprio, onde possa ser reconhecido por si mesmo e possa exercer a sua verdadeira vocação. O que lhe falta, como falta a muitos de nós, é a paciência para aguardar o tempo certo de realizar-se, de colher os frutos e demais recompensas, sem cair no erro de a tudo atropelar por ainda desconhecer as suas reais capacidades e verdadeiras limitações.
Apolo, que também era o deus da previsão e da profecia, bem sabia, de antemão, o final trágico que sucederia por concordar e satisfazer o pedido do precipitado filho. Mas talvez com remorso ou culpa por pensar ter sido negligente com o filho, recompensa-o concordando com seu infantil pedido. Isso acontece muitas vezes quando filhos insistem, e conseguem, “dar uma voltinha” com o carro, por exemplo, sem estarem plenamente habilitados, portando seus documento legais. Não é nem uma, nem duas vezes, que ouvi pais dizerem “Ah, coitadinho! Estuda a semana toda, quase nem se diverte. Ainda a pouco me pediu para lavar e encerar o carro… Ele dirige tão bem! Fui eu mesmo quem ensinou. O menino dirige melhor do que eu! Deixa ele dar uma voltinha, dar uma paquerada por aí, se exibir um pouquinho. A garotada precisa desse voto de confiança nosso. Eu, no tempo dele, fazia igual com o meu falecido pai. Logo, logo ele está com a carteira de habilitação nas mãos e daí então, ninguém vai segurar mais este rapaz! Deixa o garoto se divertir um pouquinho…” Normalmente esse é um caminho que conduz a momentos de muita tensão, sofrimento, arrependimento e dor. A fatalidade espera e se alimenta de oportunidades como esta. Se o pai se sentia culpado de alguma omissão em relação ao filho, agora ele viverá o dissabor de concordar e favorecer uma atitude inconsequente do mesmo.
Os gregos tinham a palavra hybris, que significa orgulho, insolência, desejo de assemelhar-se aos deuses, para definir esse processo de aprendizado que todos temos que enfrentar na vida, que é o de assumirmos nossas capacidades, sabermos de antemão o quão distante podemos prosseguir, termos consciência das nossas aptidões e, também, daquilo para o que não temos ou estamos habilitados. Ter humildade em reconhecer suas próprias limitações não deve ser encarado como algo negativo ou um impedimento. Ao contrário, essa é uma força libertadora que nos impulsiona a nos desenvolvermos sempre e mais. Não significa ficar acomodado às suas limitações, desenvolvendo uma imagem de auto-piedade e também não deve induzir ao comodismo, de aceitar-se como é, num determinado estágio, sem esforçar-se em progredir, por pura preguiça.
O que muitas vezes ocorre é que pretendemos viver a vida dos outros, que, frequentemente, sempre nos parece mais glamorosa, fácil e bem sucedida que a nossa. Isso é hybris. A expressão “a grama do vizinho é sempre mais verde” a isso se refere. Temos horror a nos vermos condenados a vidinhas comuns, onde nada nos parece excitante e interessante, digno da imagem que fazemos de nós ou que nos achamos merecedores. O Carro simboliza uma iniciação que devemos enfrentar, a de amadurecermos, tornando-nos adultos, encontrando o nosso lugar dentro de uma estrutura social bastante ampla. Essa nosso rito de passagem nos revela muito de nós mesmos, especialmente sobre nossos potenciais e limitações. É necessário que esse nosso desenvolvimento supere a sensação de insignificância que costumamos sentir sobre nossa pessoa e fortaleça nossa coragem e humildade para que possamos nos aperceber que a presunção, a ambição desmedida, a falta de preparo e de aptidão e, até mesmo, uma vocação definida, pode nos conduzir por caminhos bastante perigosos. Inúmeros são os exemplos de pessoas que perderam suas economias, endividaram-se única e exclusivamente para manterem a imagem de uma personalidade, uma situação ou um padrão de vida que não estavam aptos a sustentar, apenas para se sentirem importantes para si próprios e incluídos por determinados segmentos sociais ou grupos, numa imatura e suicida tentativa de assemelharem-se a eles.
Quando bem aspectada, numa leitura de tarot, e sempre dependendo da sua relação com as cartas que se lhe avizinham, bem como da questão proposta pelo consulente, o Carro pode indicar uma boa chance, uma oportunidade que surge; movimento, destinação; viver grandes aventuras e correr riscos; um novo ciclo, uma evolução, um ponto de virada; tomar as rédeas da própria vida; destino, carma, sorte; auto-realização; auto-confiança, auto-disciplina; desenvolvimento e fortalecimentos de habilidades tendo por finalidade uma meta; força de vontade; conquista; determinação; coragem; enfrentar provas e desafios; controlar o que pensa e o que sente; manter-se no caminho certo; viagens mentais e físicas.
Ligando Geburah (a Força) a Binah (a Grande Provedora) na Árvore da Vida Cabalística, o Carro percorre o 18º caminho na busca de uma experiência introdutória (iniciação) ao Supremo Eu Espiritual. Em Alquimia, essa experiência é descrita como o processo chamado “exaltação”, onde o Alquimista se transforma na Pedra Fundamental. É o caminho pelo qual a abundância amplificada é distribuída sobre todas as criaturas. Na visão do profeta Ezequiel, é descrito uma espécie de veículo constituído por figuras com quatro faces, representando os quatro elementos, que suportavam um trono. Esse é o conceito aceito pelo pensamento judaico primitivo do Merkabah, ou seja, o Carro que transporta o Trono. O Carro se desloca entre a Luz, centrada em Tiphareth, e a Suprema Escuridão, que se situa no lado oculto de Kether.
O Carro representa o nosso desejo, a nossa ambição e vontade direcionada de vencermos, o que se acontecerá desde que essa conquista seja realizada através de planejamento elaborado, dedicação extremada e perseverança. O Carro é o nosso veículo para evoluirmos, para nos locomovermos para patamares mais elevados.
Nesta sexta-feira, dia da semana regido por Vênus, a Lua Crescente continua em Leão, possibilitando que nos vejamos com muita clareza e honestidade. É tempo propício para, não só reconhecermos e nos utilizarmos dos nossos potenciais e habilidades latentes, mas também humildemente reconhecermos nossos limites. Cancer, o representante astrológico do Carro, simboliza o elemento Água, sendo portanto pura emoção. É preferível ficar sozinho, ou pelo menos menos exposto, se não puder estar na companhia de amigos, para não correr riscos de sentir-se magoado ou irritado com as demais pessoas.
Se houver tempo e possibilidade, procure meditar na frase do militar francês, herói da 1ª Grande Guerra, Marechal Ferdinand Foch: “A vitória é um produto da vontade”, e aproveite o dia!
Um ótimo fim de semana para todos!
sempre bom, sempre atual.
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