terça-feira, 2 de março de 2010

Carta do Dia: 7 DE ESPADAS

     s07SWORDS-OSHO Amanhã, dia 3 de março, estréia no Teatro Casa Grande, Rio de Janeiro, o musical “A Gaiola das Loucas”, baseado na peça homônima do francês Jean Poiret. Não é a primeira vez que essa peça é apresentada no Brasil, tendo feito muito sucesso há mais de 30 anos. Porém, é a primeira montagem do espetáculo em sua versão musical, nos mesmos moldes da Broadway.

     Miguel Falabella (Georges) e Diogo Vilela (Zazá/Albin) dão  vida ao casal de homossexuais, donos da mais famosa boate gay de St. Tropez, na Riviera Francesa. Ambos vivem juntos há 20 anos numa casa que faz fundos com o prédio do cabaré e Zazá é a estrela principal dos espetaculares shows de transformistas que lá são apresentados.

     Um belo dia, Jean-Michel, filho de uma única relação hetero que Georges teve com uma bailarina, e que não quis assumir a criança, que acabou sendo criada pelo casal  gay,  anuncia à sua pequena família que vai se casar com a filha do presidente do partido político mais conservador da França. Entre as promessas de campanha desse bastião dos valores da Família, Tradição e Moralidade está a de acabar em definitivo com os homossexuais que frequentam as famosas praias francesas. 

     O momento para esse partido está péssimo, pois um dos mais importantes políticos do partido teve um enfarto enquanto mantinha relações sexuais com uma prostituta. A imprensa persegue incansavelmente o presidente do partido para obter explicações. Ele, por sua vez, vê no casamento da filha, com um rapaz que ele acredita pertencer a uma das mais tradicionais e respeitáveis famílias do sul da França, uma forma de abafar o escândalo instalado com a falta de moral e princípios do falecido companheiro, e assim restabelecer a ordem, o respeito e a integridade dentro do partido e desviar a atenção da imprensa.

     Enquanto isso, o caos parece se instalar dentro da casa de Georges e Albin/Zazá, pois o rapaz explica que nunca teve a coragem de dizer aos seus futuros sogros a respeito da real condição de seus “pais”. Apenas a sua noiva, mais jovem e compreensiva, sabe que ambos são gays, donos de um estabelecimento gay e que Zazá/Albin é um transformista famosíssimo. Como os futuros sogros estão vindo de Paris para conhecerem os pais e formalizarem o noivado e agendarem as bodas, é preciso fazer com que eles acreditem que a estória que ele contou de pertencer a uma família solidamente estruturada no convencionalismo, seja crível. Para tanto, Albin precisa desaparecer, levando consigo seu alter ego, Zazá, e, já tendo entrado em contato com sua mãe verdadeira, a quem nunca viu, ficou combinado dela viver seu verdadeiro papel por uma única noite, durante o jantar de apresentação entre as duas famílias.

     Albin/Zazá, que criou o rapaz com o carinho de uma verdadeira mãe, sente-se ofendidíssimo(a). O rapaz decide também que toda a decoração da casa precisa ser urgentemente trocada, para que o efeito de monástica austeridade impressionem os futuros sogros e reforcem a idéia de rigorosa moralidade e profunda religiosidade dos seus pais. E, principalmente, que a porta de passagem que dá acesso aos bastidores da boate esteja permanentemente trancada e que nenhuma menção se faça a respeito.

    Bom, não vou continuar a contar o restante dessa hilária comédia que certamente irá ter, outra vez, uma longa carreira de sucesso, agora em nova roupagem. Há que se assistir para saber-se como essa trama, tão bem construída e tão pirotecnicamente transportada para o palco, se resolve. Só posso afirmar que a solução é tão surpreendente quanto se pode esperar de um inteligentíssimo jogo de ilusões, de enganos e de mentiras.

     A situação que a peça descreve é uma situação tipicamente 7 de Espadas, pois é o uso do raciocínio, a criação de formas mentais, a utilização de recursos mais ou menos amorais para se obter os fins desejados. O florentino Nicolau Machiavelli (1469 – 1527) teve a sua defesa filosófica da relação Estado/Indivíduo definida com a famosa expressão “o fim justifica os meios”, onde o fim último é o Estado, a que tudo deve ser subordinado, tanto os indivíduos como todos os valores, até os morais e religiosos. Contrariando Machiavelli, em condições normais os meios empregados para a obtenção de determinado resultado deveriam ser sempre justos, verdadeiros, claros, transparentes, objetivos, realistas. O 7 de Espadas, porém, nos fala daquelas ocasiões na vida onde nos vemos confrontados com a possibilidade de nos valermos de recursos e agirmos de maneira tal, para fazer valer nossos interesses, que, dadas outras ou melhores circunstâncias,  não o faríamos.

     Isso não significa que essas atitudes sejam sempre negativas, ou amorais, mesmo desprezíveis. Às vezes é necessário que manipulemos algum conhecimento, façamos uso de algum talento que supúnhamos não ter, e sem prejudicar a ninguém, nem inclusive a nós mesmos, atingirmos os objetivos pretendidos. Fazemos frequentemente quando preenchemos currículos onde exaltamos qualidades não tão evidentes. Ou quando floreamos o nosso amor pelos animais para sermos simpáticos à linda atendente do pet-shop. Até mesmo quando imploramos por um ingresso para aquele show, nos declarando fã de carteirinha da cantora, só para ficarmos ao lado da pessoa em que estamos interessados e que é, realmente, fã da tal cantora. Quer mais uma? Quando preenchemos fichas de planos de saúde e declaramos nunca termos tido uma dor de cabeça na vida. 

     Mas, as pessoas mais impressionáveis costumam ver nessa carta, quando surge numa leitura de tarot, uma imagem altamente negativa, de traição, de ser ladino, falso, de agir nas sombras, de roubar ou ser roubado, de fugir na calada da noite carregando o que conseguir. Também uma idéia de planos fracassados, de ostracismo, de fuga às responsabilidades e de não querer enfrentar as verdades estão implícitas nessa carta. Portanto, o mais importante a fazer quando ela aparece numa jogada, é estabelecer-se de que lado está o consulente, e isso pode ser definido com a análise das cartas que lhe acompanham. É ele vítima ou vilão? É um aviso para que fique mais atento e preste atenção redobrada às pessoas de suas relações ou situações que estão sendo vivenciadas e que podem, em ambos os casos, virem a lhe causar decepção? Ou será que é um alerta para que não se deixe levar por uma falsa idéia de esperteza, de querer levar vantagem em tudo, e acabar se deixando envolver num redemoinho de mentiras, ansiedade e culpa?

     O político frances da peça, percebe que os membros de seu partido não são possuidores de todas as virtudes que apregoam, e tenta burlar a opinião pública, em primeiro lugar evitando confrontar-se com os repórteres e, depois, utilizando-se do casamento da filha para “vender” uma imagem idealizada de pureza (supõe-se a filha ser virgem) e união (entre “iguais”, pessoas de mesma estatura de valores).

     O filho, em nome do amor que sente pela moça, e pelo interesse de evoluir na carreira (afinal, uma “mãozinha” do sogro político influente sempre ajuda…), cria uma rede de mentiras, inventando uma família “ideal” aos olhos dos sogros, mas que ele nunca teve. Até a própria “mãe” que o criou (Albin/Zazá) ele repudia em favor da mãe biológica, de quem nunca recebeu a menor dose de amor, desde que ela o ajude nesse momento.  Na verdade, ele é o mais manipulador, corrupto e amoral entre todos os personagens da peça. Faz e usa de tudo e de todos para atingir seu objetivo sempre, é claro, usando o amor como desculpa.

     A boate, chamada de “Gaiola das Loucas”, seus artistas, seus shows e seu público, são a própria representação da ilusão, da fantasia, da mágica, dos subterfúgios, das trocas de identidades, onde os sexos se dissolvem, não se sabendo quem é quem ou o que. Toda essa fantasia noturna disfarça ou ameniza a realidade, empenhados que estão, todos, em recriá-la diferente, mesmo sabendo que estão enganando a si mesmos.

     A jovem noiva concorda em colaborar com o verdadeiro teatro montado pelo rapaz, por interesse próprio, ou seja, na realização de seu casamento com uma pessoa que se seus pais conhecessem de verdade, nunca aceitariam como genro. Com o casamento ela se livra do jugo opressivo e castrador da família.

     18_MHG_cult_gaoila02 Georges concorda, por amor ao filho, em participar do jogo, fingindo ser quem não é, negando fazer o que faz, mesmo que isso venha a magoar profundamente o companheiro de tantos anos.

      Talvez o único que se mantém íntegro, do começo ao fim, seja mesmo aquele que nada quer para si próprio, além de poder amar, ser amado e ser a grande estrela dos shows dos quais participa. Albin/Zazá, que já é uma perfeita fusão do real com a ilusão é, quem sofre as consequências de toda essa trama, espelho que é de toda essa situação. E também como não poderia deixar de ser, no último momento cabe a ele encontrar uma saída. Ainda que seja mais uma mentira, mais um golpe, mais uma tentativa de desviar os olhares da verdade.   

     Se quiserem ver, de uma maneira bastante humorística, numa trama inteligentemente desenvolvida, o 7 de Espadas em plena ação, onde nada é o que parece ser, não deixem de assistir a esse grandioso espetáculo.

     A todos, um excelente dia e ao competente elenco da “Gaiola das Loucas”, muita M….!  

Foto de Miguel Falabella e Diogo Vilela: Jornal O Globo (divulgação)
Ilustração: Tarot de Osho

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