Ela nunca pensara que o simples ato de cozinhar, aquele prazer de combinar as verduras da horta do sítio, as frutas do pomar, os ovos caipiras que vinham do galinheiro próximo à casa, os recipientes com leite, nata e manteiga fresquinhos que o gado, que ela ouvia mugir ao longe, dava, o acender o fogo do velho e grande fogão à lenha, tudo aquilo que sempre parecera tão simples e casual, pudesse ser um verdadeiro processo alquímico. Sua nova patroa, a jornalista especializada na crítica gastronômica, e, ela mesma, uma excelente cozinheira, explicava-lhe, passo a passo, o como e o porque de cada ação realizada na cozinha, que, com tantos apetrechos e vidros de condimentos os mais diversos, parecia um laboratório.
Havia se passado mais de 8 meses desde que ela chegara à metrópole. Continuava morando com a tia e as primas, na simpática casa do subúrbio, mas sua vida era inteiramente dedicada ao trabalho. Como a grande maioria das pessoas, saía de casa mal raiava o dia para estar, logo cedo, no bonito apartamento de cobertura, onde era, a um só tempo, aprendiz e braço-direito da dona da casa. Voltava, muitas vezes, tarde da noite, quando as primas já estavam dormindo. A tia, independente do horário, a esperava com uma xicara de chá e alguma coisa para comer. Conversavam um pouco. Contava-lhe o que havia aprendido, como era a maneira da sua patroa fazer determinados pratos, os lugares onde iam juntas em busca de produtos bem frescos ou que não eram vendidos nos supermercados. Contava-lhe que, às vezes, a patroa a levava para almoçarem juntas num restaurante e que a incentivava a ir descrevendo sabores, texturas, cores dos pratos que pediam. Além disso, fazia com que ela “descobrisse” a receita do mesmo, apenas utilizando-se do paladar, do olfato e do bom senso. Era divertido, estimulante, e ela, quase sempre, acertava, para deleite da sua mestra e patroa.
Uma tarde, enquanto testavam uma receita na cozinha, a jornalista disse-lhe que uma rede de TV a cabo estava começando a fazer uma série sobre culinaristas e que ela, como uma das consultoras do programa, havia indicado seu nome para um dos programas. Ela teve a sensação de que iria desmaiar. Não conseguia sentir o chão sob seus pés é por instantes as luzes que refletiam sobre os azulejos, as panelas, os vidros, a bancada da pia, pareciam rodar, num nebuloso turbilhão. Sentou-se enquanto a patroa, sorrindo, servia-lhe um copo d’água gelada e continuava a falar que não havia nenhuma razão para ficar nervosa, que tudo era muito simples, que uma famosa atriz e apresentadora faria uma “visita surpresa” à sua cozinha e elas conversariam sobre uma receita qualquer. Que tudo era gravado e que se houvessem erros, desacertos, descontinuidade, tudo poderia ser feito numa segunda ou terceira tomada. Que ela, a patroa-jornalista, lá estaria, fora de cena, para garantir-lhe total tranquilidade. Que isso seria muito bom para ela. Que ela merecia esse destaque, sem nenhum favoritismo, pois, mulher experiente e crítica que era, havia conhecido poucas e famosas culinarista com o mesmo talento que ela, moça vinda da roça.
A tia e as primas ficaram eufóricas e, num segundo, a vizinhança toda estava sabendo que ela iria aparecer na televisão ao lado daquela famosa atriz. A antiga patroa telefonou-lhe, emocionada, desejando-lhe sorte na gravação do programa e reafirmando que ela era, sim, merecedora desse destaque. Que apesar de gostarem demais das refeições preparadas pela tia, não passava dia em que não comentassem, também, as suas habilidades culinárias, a sua criatividade e bom gosto. Que isso era um dom divino do qual ela deveria ser sempre grata. E uma das maneiras dela demonstrar essa gratidão era contribuir, com a sua história, para que outras mulheres e homens, onde quer que estivessem, tivessem a mesma coragem de viverem os seus sonhos e explorarem ao máximo os talentos que o Universo lhes agraciara. Desligaram o telefone emocionadas.
Nunca imaginara que a gravação da execução de uma receita tão simples, tão “cabocla” quanto o seu famoso bolo de fubá com pedacinhos de goiabada cascão e lâminas de queijo coalho, coisa que ela fazia, do começo ao fim, em 1 hora, levasse o dia inteiro e necessitasse de uma equipe de quase 10 pessoas dentro da cozinha. A escolha da receita foi feita pela patroa, que a considerava, além de excepcional em sua requintadíssima aparente simplicidade, o seu “carro-chefe”, o seu amuleto, o seu “pé-de-coelho”. Afinal, foi devido a esse bolo que as duas se conheceram e ela queria estender esse fato para que milhares de outras pessoas a conhecessem através da mesma receita. Diversos bolos foram feitos para que fosse escolhido aquele que ficasse com a melhor aparência. Diversas etapas do processo foram produzidas em separado para, na edição, serem “costuradas” como algo contínuo. A cozinha resplandecia de tão limpa e impecavelmente arrumada. Sua roupa nova a deixara parecida com os famosos culinaristas que ela assistia, ao lado da patroa, na TV, em vídeos especializados e nas fotos dos livros importados que abarrotavam as estantes do apartamento. Fora penteada e maquiada. Apesar de usar as luvas de látex, passou pela manicure que a produção trouxe. Suas posições foram literalmente coreografadas e os produtos a serem utilizados na receita, foram medidos, pesados e acondicionados em bonitos recipientes transparentes. Luzes especiais foram instaladas em alguns pontos da cozinha enquanto uma assessora colocava flores em um vaso e polia as vasilhas, talheres e formas a serem utilizadas.
Enquanto tripés e câmeras eram instaladas, a famosa atriz e apresentadora, conversava com ela, com a diretora do programa, com o chefe de produção e com a jornalista, dona da casa. A profissional simpatia da moça, a atenção que recebia de todos, tudo colaborou para que ela sentisse, novamente, mais segura, o nervosismo diminuindo, a certeza de que iria fazer aquilo que gostava… não, amava fazer: cozinhar. E, é claro, havia uma sensação de vitória, de reconhecimento, de uma certa vaidade no fato dela, a garota simples do interior, a migrante pobre sem uma grande instrução formal, estar ali, estrela de um show, tendo a sua arte reconhecida e certificada perante milhares e milhares de espectadores. Pensou, com carinho e muita saudade na irmã que ficara morando no sítio e que tanto se preocupara com ela quando decidiu mudar-se para o sul do país, em busca de uma vida que lhe permitisse expandir seus conhecimentos, ganhar seu sustendo fazendo o que melhor sabia fazer e, com isso, realizar todos os seus demais sonhos.
Sentiu a mão amiga da patroa, e grande incentivadora, em seu ombro. Ouviu a voz da diretora do programa chamando-a para o ponto mais iluminado da grande cozinha. Sentiu o perfume da atriz que a aguardava no local marcado, com um sorriso. Enquanto ajeitavam e escondiam o microfone sem-fio em suas roupas impecavelmente brancas e engomadas, ouvia as últimas instruções da diretora que lhe apontava as câmeras que iriam grava-la. Olhou à sua frente a bancada com todos os ingredientes artisticamente dispostos. Mais adiante, nas sombras ao fundo da cozinha, sua patroa, mentora, incentivadora e amiga sorria-lhe confiante e com um leve brilho de lágrimas no olhar.
As câmeras acenderam suas luzes de funcionamento, a diretora pediu silêncio, a apresentadora sorriu com o seu melhor ângulo. Uma voz se fez ouvir, ressoando pela cozinha, que naquele momento parecia com uma ilha de luz viajando pelo espaço: “Cinco… quatro… três… dois… um. Gravando!” Ela sentiu-se, naquele momento, recebendo o seu tão ansiado diploma.
Quando um 8 de Ouros surge numa leitura de tarot, dependendo sempre da sua localização entre as demais cartas que o acompanham e da questão proposta pelo Consultante, pode simbolizar que o Consultante está se especializando em algo, ou desenvolvendo ao máximo algum dos seus talentos. Ser perito em algo. Ter uma mente erudita. Pode sinalizar que a situação requer determinadas informações que o Consultante já possui mas que necessita fornecer ou exercitar. Fazer escolhas inteligentes. Uma espécie de conhecimento antigo vêm à tona. Incorporar os aspectos espirituais aos materiais. Saber qual é a resposta correta. O 8 de Ouros pode, também, representar aquelas pessoas chamadas de “gênios criativos”. Humildade. Ajudar os outros. Agir de maneira pensada, estudada, premeditada, passo a passo, evitando excessos nas suas ações.
Numa posição mal dignificada a carta do 8 de Ouros mostra falta de moderação. O Consultante está impaciente e disposto a se arriscar muito. Uma certa ignorância, o desconhecimento de um determinado assunto ou situação que pode colocar o Consultante em perigo. A pessoa pode estar-se recusando a ver a situação de maneira mais ampla, considerando todos os seus aspectos. É necessário que o Consultante obtenha mais informações antes de fazer uma escolha definitiva. É necessário pesquisar muito a fim de se obter a resposta correta. Tempo para aprender sobre o assunto, projeto ou trabalho que está desenvolvendo. Ignorância. A verdade está à frente do Consultante, mas ele não consegue apreende-la e dela se utilizar. Estudar bem a situação antes de tentar altera-la.
Neste feriado, quando o expansivo, otimista e liberal Júpiter, regente das quintas-feiras, está conduzindo as energias, e a Lua Cheia encontra-se em Peixes é uma boa ocasião para deixarmos de “tapar o sol com a peneira”, deixarmos de ser escapistas e observarmos que, quanto mais claramente vemos e vivenciamos nossas habilidades e dificuldades, mais facilmente encontramos o nosso verdadeiro propósito neste plano de existência. Se focarmos nos nossos dons, nos nossos talentos, e nos restringirmos e dedicarmos a investir pesadamente neles, essa poderá ser a base da nossa mestria, do nosso domínio, da superioridade de conhecimento na nossa atividade ou área de atuação.
Tenham todos um excelente, harmonioso e bastante elucidativo dia!
fiel como sempre
ResponderExcluirNamastê