quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Carta do Dia: 5 DE COPAS

  Guinevra5Cups1    A filha de uma amiga passou os últimos 2 dias trancada no quarto, chorando copiosamente. “Se arrependimento matasse…”, era a única coisa que ela balbuciava entre lágrimas e soluços. O drama: com o noivo militar em serviço durante o carnaval, a bela deixou-se levar pelos encantos de um turista italiano e foi vista em todos os blocos, botecos e esquinas, completamente entregue à celebrações bastante pandemonicas (no melhor sentido mitológico da palavra…). Bastaram algumas ligações e fotos capturadas do fogoso casal por celulares de plantão para que o referido “bom partido” (segundo sua mãe, minha amiga) se apresentasse no apartamento da distinta futura-consorte exigindo as devidas explicações, naturalmente sem nenhuma pretensão de acatar qualquer uma delas. Afinal, haviam provas do delito, seu moral estava em baixa, nunca poderia esperar isso dela, era a vergonha do quartel, etc e tal.

     Quando o 5 de Copas surgiu na leitura desta manhã, não pude deixar de associá-lo aos telefonemas que minha amiga havia me dado, contando esse enredo de novela mexicana, pois essa carta, normalmente, tem esse significado negativo: o da desilusão, da desesperança, do arrependimento, de remorso, conflito, perda, más notícias, perda de posição, coração partido, sonhos desfeitos, emoções desiquilibradas. Se o assunto é amor, casamento, relacionamentos, então estamos no elemento certo (Copas=Água=Emoções), pois é, quase sempre, um naufrágio de sonhos e ilusões nos amargos mananciais de lágrimas. Aliás, diz a tradição judaica que as lágrimas foram uma compensação dada por Deus a Adão e Eva, para que aliviassem e melhor pudessem aceitar sua perda após terem sido expulsos do Paraíso. É ser expulso, ser enxotado, de uma situação comparável a um recanto seguro e confortável no Jardim do Éden, demissão e abandono esses que dilaceram a nossa vida destruindo padrões de comportamento, de falsas ilusões, de suposta segurança que construimos ao longo do tempo e nos obriga a trabalhar e crescer.

     Nesta manhã, as igrejas ficaram repletas de fiéis em busca de terem seu arrependimento aceito e marcado com uma cruz de cinzas, num ato de reconhecimento da efemeridade da vida e da eternidade da alma, com o celebrante repetindo:”Lembra-te que és pó e para o pó voltarás”. É um sinal bastante gráfico de que estamos dispostos alinhar-nos no caminho de Deus, nos reeducando através dos jejuns e penitências próprios dessa época, e prometendo não mais cometer os erros passados. É um ritual do qual algumas pessoas dispõe para se inteirarem da sua própria capacidade de arrepender-se dos erros cometidos e tomar consciência das suas limitações. O aceitar, o reconhecer o que aconteceu é um primeiro degrau para superar-se as consequências de qualquer ato, por mais funesto que seja. É um tempo também de esperanças, pois, atentos a enganos cometidos, e deles extraindo uma lição positiva, estamos melhores preparados para recomeçarmos do ponto em que paramos.

     A filha da minha amiga literalmente traiu seu noivo, deixando-o triste, frustrado, angustiado, desapontado, mas dando-lhe a chance de questionar o quanto esse relacionamento era, ou é, sólido. O quanto não estava embasado apenas no comodismo, no desconhecimento verdadeiro da pessoa amada, na possibilidade de estar apaixonado apenas pela imagem projetada ou, pior, pela imagem idealizada. É um verdadeiro terremoto de emoções e, como em qualquer abalo sísmico, muita pouca coisa fica em pé. Portanto ambos estão tendo a possibilidade de, pondo os pés na realidade, reverem suas posições, deixando de lado um ilusório encantamento, para encararem a verdade e, depois de tudo voltar à calma, atentarem ao que está precisando ser melhor trabalhado e que permita-lhes enfrentarem o desafio da reconciliação e comprometerem-se melhor com o futuro. Ou não: simplesmente chegarem à conclusão que o melhor é virar as costas aos escombros desse arremedo de amor e partirem para outras oportunidades, seguindo caminhos diferentes.

     É necessário percebermos que a destruição é essencial à transformação e ao renascimento. São apenas etapas de um mesmo processo, lados de uma mesma moeda. É o Yang-Yin. O grande lance é compreender que a perda é também um ganho, pois ambas são, na realidade, uma só. É reconhecer a sua parcela no erro e dar a si mesmo o justo e necessário tempo para sofrê-lo. É nessa cura através de lágrimas que devemos usá-las para clarear nossa visão e aceitarmos a realidade, nua e crua, resgatar o que de positivo a situação nos ensinou, e seguirmos em frente. O que devemos estar também atentos é de não ficarmos polindo tristezas como se elas fossem preciosas e raras jóias, pois isso é apenas indicativo de que estamos nos agarrando à segurança da auto-piedade e temerosos de enfrentar o futuro que certamente nos aguarda. Importante estarmos cientes de que o desespero nada oferece (as taças quebradas) e que a esperança sempre acena com novas oportunidades (as taças que permanecem em pé). Nem tudo está perdido.

     Ao experimentarmos uma perda, devemos reservar um tempo para lamentá-la, mas é sempre recomendável que busquemos também os sábios conselhos de um bom amigo, o auxílio de um profissional qualificado, de um conselheiro espiritual ou de uma religião e rito que nos ajude a reencontrarmos o nosso centro e nos curarmos devidamente, preparando-nos para um futuro mais brilhante, quando seu tempo chegar.

     Na tarde de hoje, muitos sonhos, desejos e ilusões serão destruidos durante a revelação dos vencedores das escolas de samba. Lágrimas, impropérios, estados depressivos ou alterados irão se manifestar. Só haverá uma que celebrará efusivamente o resultado, para quem todos os jurados foram impecavelmente justos, que o carnavalesco, a bateria, os mestre-sala e as porta-bandeira evoluiram deslumbrantemente, que o enredo é digno de figurar nos arquivos da história, que o sambódromo é a capital de um mundo que  é o melhor lugar no universo e que a vida é uma constante festa: a escola vencedora do 1ºlugar. Para as demais, o gosto da decepção, dos sonhos derrubados, dos esforços não reconhecidos, da perda do prestígio, da queda de posição, e, pior dos piores, rebaixamento de grupo!

     No meio desse caos, onde acusações são trocadas, culpas são transferidas, erros são aceitos, elementos-chave são peremptoriamente demitidos,  novas aquisições de talentos são feitas, prioridades serão alteradas, também estará acontecendo uma uma mudança positiva. Apesar dos dias de tristeza que naturalmente serão vividos na comunidade, ela irá reestruturar-se, aprendendo das lições vividas no passado, e projetando para o próximo Carnaval todas as suas esperanças. Porque a esperança é a Estrela (leia a postagem de ontem), o brilho interior que possuimos e que nos faz especial, nos reconecta ao Universo e nos inspira a prosseguirmos em busca de nós mesmos, perseguindo os nossos sonhos.

     A todos, boa-sorte e mantenham sempre a fé na sua capacidade de regeneração e esperança de melhores dias.

Ilustração: GUINEVRA TAROT

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