Fazendo um rápido mea culpa, meu grande problema nos relacionamentos, no meu interagir com as pessoas, de um modo geral, sempre foi o tempo. O tempo no sentido daquele cronometrado no relógio. Não sou um escravo absoluto dele, apesar de reconhecer que a ele devoto sacrifícios que me são caros em seus altares, mas uso-o como medida de julgamento alheio. Explicando: se eu quero saber mais sobre alguém que acabei de conhecer, marco um novo encontro e fico, até muito masoquistamente, aguardando esperançoso que a pessoa se atrase. Isso acaba me dizendo que nela eu não posso depositar minha inteira confiança. Desagradável, não é? Sinto muito, mas eu avisei que seria um mea culpa e eu não conheço nenhuma confissão que no fundo, no fundo, não seja desiquilibrada em algum sentido.
O que me falta é Temperança, esse anjo de paciência que serenamente mistura ações e resultados em busca de uma fórmula ideal, onde os elementos, por mais diferentes que sejam, se contrabalancem e desse amálgama surja algo maior e melhor. Ter temperança é ter mais do que paciência. É saber julgar sem recorrer a fria lâmina da razão, apenas, mas adicionar aos autos desse processo particular muitas páginas de emoção, sem nunca deixar-se levar apenas por uma ou pela outra.
Os alquimistas associavam o processo de destilação à Temperança. Ou vice e versa, pois é um processo lento, com a finalidade de purificar, através de diversos outros procedimentos anteriores, os elementos, extraindo deles o que neles havia de mais puro, de mais nobre, de mais sublime, permitindo-lhes combinações de maior eficácia e melhores resultados.
Ouvimos muito falar em “temperar o aço” e esse era um processo lento e trabalhoso, usado nas forjarias da antiguidade, quando se alternava o aquecer e resfriar a lâmina das espadas, sempre malhando-as com um pesado martelo, para que os seus componentes acabassem modificando suas naturezas originais para uma nova condição de adaptabilidade, flexibilidade e, ainda assim, mantendo o fio cortante e a ponta penetrante. Os mais poderosos pediam que, como finalização do processo, a espada trespassasse o corpo de um escravo ou de um prisioneiro, banhando-a em seu sangue. Provavelmente isso se devesse à idéia de que amoldar-se às situações, transformar-se, exige grandes e penosos sacrifícios. Durante o ritual da missa católica o padre também “tempera” o vinho, que representa a morte e o medo com a água, que significa a vida e a esperança. É nesse simbólico “tempero” de extremos que encontramos o centro, o nosso centro, a nossa divindade interior. É onde comportamentos, crenças, atitudes, estruturas mentais e sentimentos se unem num equilíbrio harmonioso. Santo Tomás de Aquino dizia que “A Temperança é uma disposição da mente que unifica as paixões”.
É fácil obter-se ou viver-se essa virtude? Acho que não e, aliás, se o fosse, nem seria considerada uma virtude. Necessita que nos conheçamos bem, reconhecendo nossos limites e estar disposto a percorrer os caminhos do crescimento e elevação espiritual. É necessário saber-se contrabalancear, acomodar, compatibilizar, deixar fluir, administrar, testar, dar o tempo necessário, ter autocontrole e disciplina, agir com pureza de intenções, com serenidade, moderação e sabedoria. Tem-se que deixar de lado a passividade, o descontentamento, a oposição cega, a ansiedade, a falta de cooperação, a instabilidade, as reações exageradas, a má administração e a falta de sincronicidade. Num exemplo bem simples e do nosso cotidiano é como manter-se as rodas dos carros sempre balanceadas e os pneus com a carga correta de ar, para que o peso do veículo e de sua carga não sofram com os percalços da estrada e proporcionem o máximo de segurança e conforto. E, lembre-se, que isso é feito repetidamente, em ajustes contínuos.
Tendemos a ver a Temperança como um aspecto extremamente compassivo do caráter, entorpecido pelas emoções que inibem o raciocínio lógico. Alguém que a tudo aceita, de nada reclama, vive alheio a compromissos e responsabilidades, “empurrando com a barriga” e deixando-se imolar sem argumentar ou mesmo saber porquê. Seria o oposto da Justiça, onde a defesa, a argumentação, a lógica, a análise fria e absolutamente imparcial dominam. Justiça e Temperança são opostos complementares. São como a mistura de, por exemplo, vermelho e verde, cujo resultado é uma cor neutra, acinzentada. É neutralidade. Mas isso não significa “ficar em cima do muro”, não ter opiniões e não se fazer ouvir. É apenas uma forma de analisarmos e combinarmos soluções diferentes para um mesmo problema sem nos deixarmos levar pelos extremos. Nem tanto vermelho, nem tanto verde. Nem só razão, e nem pura paixão. Se não houver uma dose da racionalidade proposta pela Justiça, se não houver uma clara percepção das necessidades de uma situação específica com o objetivo básico de se atingir uma harmonia, a Temperança acaba tornando-se estática, fixa, sem permitir mudanças e o marasmo se instala. Isso é desiquilíbrio e não tem nada a ver com a nossa carta.
Como esta postagem parece estar propensa a citações, lembro que Platão, na sua República, dizia ser a Temperança a virtude ideal e recomendava o aprendizado de música para desenvolvê-la. Tudo a ver! O ritmo é essencial para a música, para a que a harmonia das combinações sonoras nos sejam agradáveis e compreensíveis. A Temperança, no seu intercâmbio de elementos, regula também o tempo (alguns dos primeiros instrumentos de aferição do tempo eram à base de água), e portanto está afinada com o tempo cósmico, os ciclos da Natureza, o que chamamos de passado, presente e futuro, o tempo no eu sentido regenerador. Quando adoecemos, precisamos de um tempo para nos restabelecer e bem sabemos que determinadas doenças demandam um tempo próprio, independente do que possamos fazer (a não ser amenizar os seus efeitos, naturalmente). Na Renascença, quando o conhecimento anatômico desenvolvia-se, os líquidos encontrados nos organismos, chamados de “humores” determinavam, através de sua maior ou menor evidência os estados de ânimo das pessoas. Ainda hoje, séculos depois, ainda nos referimos dizendo que “fulano está mal-humorado”, “sicrana está numa fase de “bom-humor”, “beltrano é muito seco, parece que nem tem humor”. Acho que a isso chamamos, hoje em dia, de bi-polaridade. Será?
Enfim, quando a Temperança aparece numa tiragem de tarot, dependendo sempre da sua posição na mesa, das cartas que a rodeiam e da pergunta em questão, ela pode estar significando a necessidade de ir-se ao encontro da paz e não deixar-se dominar pelas emoções; procurar agir (ou deixar de agir) de maneira apropriada ao momento ou à situação; dar tempo ao tempo; cuidar para não entregar-se à pura inatividade como desculpa para não correr o risco de errar; aprender baseando-se na análise dos acertos e dos erros obtidos através de experiências prévias.
Nesta semana que se inicia já sob total influência das festas momescas, onde tudo parece ser permitido e os excessos transforma-se na ordem do dia, a Temperança é um aviso do seu Anjo da Guarda, dos seus Mentores Espirituais, do nome que você preferir para definir esse canal com o plano superior, com o Universo. Uma mensagem de moderação. Básico e simples como isso. Um lembrete que para nos sentirmos e mantermos inteiros devemos moderar (administrar, conduzir, dirigir, organizar, equilibrar, balancear) a vida nos seus aspectos físicos, emocionais, espirituais e intelectuais. Não é cair no ascetismo extremo, que como bem disseram, cada um a seu tempo, São Bento e Budha, é uma das maiores armadilhas do ego. Mas é saber extrair o máximo do sabor dos momentos vividos, através da nobre arte de equilibrar e realçar valores e qualidades através do equilíbrio e harmonia de todos os elementos e diversas pitadas de sensibilidade.
Uma excelente e equilibrada segunda-feira para todos!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradeço o seu comentário.
Em breve ele deverá ser exibido no Blog.
Namastê!