Ontem o mundo da moda, dos fashionistas, dos criadores de beleza, sofreu uma importante baixa em suas fileiras. O estilista escocês, Alexander McQueen foi encontrado morto em seu apartamento londrino. Suicídio.
Li a notícia na internet e fiquei naturalmente surpreso, especialmente pelo fato de ter sido auto-infligida. Pouco depois, buscando por algo novo para ler, encontro numa livraria um livro de autor francês com o seguinte título: “A Loja do Suicídio”, uma novela sobre o óbvio que o título promete: uma loja que vende todo o material necessário para que os suicidas possam realizar seus intentos, de cordas, balas de revólver, bombons envenenados, navalhas afiadas, etc. Esbocei um sorriso amarelo pela coincidência e tive pesadelos, dos quais nada me recordo a não ser que foram uns 3 diferentes, durante a noite. Aliás, já os tinha tido na noite anterior.
Nesta manhã, não foi nenhuma surpresa retirar o 9 de Espadas, aleatoriamente, do maço de cartas. Tudo a ver, pensei eu enquanto decidia qual seria a abordagem que eu daria, desta vez, aos significados dessa carta. Ligando o computador para escrever este texto, leio que a mãe do McQueen havia falecido há poucos dias e que está fazendo 3 anos que sua descobridora, mentora, divulgadora, razão de seu reconhecimento público (lembram-se da carta de ontem? O 6 de Paus?) e musa inspiradora, suicidou-se após ter sido diagnosticada com uma grave doença. Já tenho motivos de sobra para saber sobre que luzes (ou talvez, a falta das mesmas…) descrever o 9 de Espadas nesta postagem.
Uma das combinações do IChing, a sexta, tem como título a palavra “Conflito”, no sentido que primeiro os desenvolvemos, trabalhando nos seus requintados e cruéis detalhes dentro de nós, fazendo-nos, exatamente por isso, muito vulneráveis às influências que nos cercam. O não verbalizar, o não expressar dessas angústias as tornam ainda maiores, mais significativas e opressivamente poderosas. Uma verdadeira panela de pressão, pronta a explodir da mais desastrosa maneira possível.
Não é nem uma, nem duas vezes na vida que ficamos sobrecarregados, por motivos os mais diversos, além dos nossos limites, sob constante e crescente estresse. Nessas ocasiões a nossa imaginação assume o seu pior aspecto e, totalmente descontrolada, inebriada de medo, culpa, remorso, sofrimento e dor, dispara descontrolada povoando nossas noites insones com imagens fantasmagóricas, com visões potencialmente adulteradas dos nossos problemas. Exagerados ao extremos e desnecessariamente, eles acabam se transformando no que poderia nos acontecer de pior, pois os adornamos, masoquistamente, com as nossas angústias, aflições, desapontamento, sensações de inutilidade, de fraqueza, de auto-piedade.
E os pesadelos, então? São como se os demônios da mente estivessem entretidos em tecer uma riquíssima teia de tormentos que obscurecessem o nosso sonhar. Então acordamos, às 3 da manhã, encharcados de suor, com o coração disparado, a impressão de que um grito está preso na garganta. Pânico. A mente, que enquanto dormíamos, vagava pelo plano astral, vivenciando a energia de Marte, com todos os fantasmas, demônios e demais armas desse implacável guerreiro que se aproveita das horas noturnas, quando ninguém está por perto e nada pode ser feito, para usar como instrumentos de tortura os mais dolorosos e cruéis pensamentos. Sim, eles são intensos, mas imateriais como a brisa e não sobrevivem à luz do dia.
O grande problema que o 9 de Espadas alerta é o isolamento em que nos enclausuramos quando as circunstâncias à nossa volta parecem desesperadoras. É o arquétipo de Eremita (Carta IX dos Arcanos Maiores) numa corrida de trem-fantasma dentro de si mesmo, revolvendo a mais forte e antiga emoção da humanidade, que é o medo e, em especial, a pior forma dele, o medo do desconhecido. É “a noite sombria da alma” quando nos sentimos vítimas, vivendo um período onde tudo e todos parecem conspirarem contra nós, sem esperança alguma, agonizando sobre algo sozinhos com fantasias mórbidas sobre alguém que nos é importante, temerosos por um malfadado futuro, despedaçados e completamente abatidos por situações que estão além do nosso controle. Acho que nem preciso dizer que é chegada a hora de deixar o orgulho ou a vergonha de lado e estender a mão num pedido de ajuda que, certamente, está lá ao seu alcance.
Alexander McQueen era um bem sucedido estilista, reconhecidamente criativo, inovador, porém com o embasamento técnico necessário de alfaiataria que exige a sua profissão. Jovem, 40 anos, rico, vivia sob o constante estresse do mercado da moda, que exige 2, 3 ou 4 coleções ao ano, mais uma infinidade de produtos e sub-produtos que são os verdadeiros mantenedores dessas griffes de moda: óculos, malas e bolsas, perfumes, sapatos, acessórios. Grandes companhias, corporações, bancos, fundos de investimentos são os verdadeiros donos dessas marcas onde os seus criadores são apenas uma “fachada” dos negócios, vendendo através de seu marketing pessoal, obtido através de uma vida muitas vezes extravagante, das luzes dos holofotes, dos flashes dos paparazzi, para uma parcela da sociedade ávida em encontrar a sua própria identidade através das roupas que veste, dos perfumes que usa, das imagens que as essas figuras famosas projetam. Essa verdadeira indústria coloca esses desenhistas, costureiros, estilistas, artistas, sob constante pressão, exigindo deles mais e melhores resultados econômicos para as suas empresas. É um mecenato de forma bastante escravagista.
Talvez McQueen tenha se cansado disso tudo. Talvez estivesse vivendo um bloqueio em sua criatividade. Talvez tenha sucumbido à dor da perda da mãe. Talvez sentisse culpa por continuar vivo enquanto que aquela que o transformou na estrela em que se tornou, tenha decidido por fim à sua própria vida. Talvez.
O que sabemos por certo é que não há problema que não possa ou deva ser visto, analisado em suas partes, desmantelado sob a luz clara e brilhante da razão. Não há imaginação doentia, depressão, instabilidade da mente ou da alma, perda de fé ou mágoa que não venha a ser redentora, transformadora, como se fora um purgatório pelo qual devessemos fazer nossa passagem em busca da merecida iluminação. Pedir socorro, nessas horas, a um profissional qualificado, dividir com os verdadeiros amigos e a família os problemas que nos angustiam não é um sinal de fraqueza. Ao contrário: é uma forma altamente inteligente de demonstrar um auto-conhecimento já tão evoluído que reconhece as “sombras” da nossa personalidade, os filtros que obscurecem a nossa verdadeira alma e que anseia em elevar-se ainda mais. Verbalizar nossos medos, nossas angústias, nossos sentimentos de culpa, nossos questionamentos, nossas perdas só os fazem perder a intensidade. De tanto repeti-los, de tanto recontarmos a mesma história, ela tende a enfraquecer-se nos seus excessos e perder a estatura e a potência que antes parecia ter.
Minha mãe nunca admitiu que a palavra cancer fosse pronunciada dentro de casa, sob hipótese alguma. No fundo ela acreditava que a sua simples menção atrairia a própria doença. Meu pai e ela morreram de cancer, e nós nunca dissemos a palavra, em que tanto pensávamos.
Aproveitem o dia para, sob a luz do sol, abrirem os porões, os armários, os baús da mente e deixarem escapar as traças que nos fragilizam a estabilidade mental, permitindo que com a luz, a alegria invada os seus corações. Ah, e não esqueçam de oferecer ajuda, aquele “ouvido amigo” a quem dela necessitar. Com isso, certamente o dia de vocês será excelente!
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