sexta-feira, 28 de maio de 2010

Carta do Dia: 2 DE OUROS

    Minor-Discs-02Vaudeville Desceu do ônibus cansada da longa viagem. Afinal, quase 30 horas sentada numa poltrona apertada e com as pernas apoiadas em algumas sacolas que trazia, com presentes e encomendas a serem entregues a parentes que nunca vira, não foram fáceis. Mas a claridade da manhã e o barulho da cidade grande a entusiasmava e fazia com que ficasse com o rosto colado na janela, sentindo o ar frio da manhã e a plataforma da rodoviária que se aproximava.

     Foi quase uma guerra encontrar sua bagagem entre tantas outras que atravessaram estados carregando os mesmos sonhos que os dela: conseguir um trabalho que lhe possibilitasse ter uma vida como a que via pelos programas e novelas da TV, no sítio onde morara a vida toda. Nada mais de puxar água do poço, cortar lenha para o fogão, matar frangos e galinhas, ajudar a dar ração para os animais, andar quilômetros para poder aprender alguma coisa na escolinha da vila. Chega. Isso já era passado. Agora, vida nova! E lá estava a cidade, imensa, a recebe-la com os braços abertos e um sol sorrindo em luz no azul impecável do céu.

     Seguiu ao pé da letra as instruções de que condução pegar para chegar até a casa da tia, de quem nem se lembrava mais, tal era o tempo que migrara para o sul, sacolejando num caminhão e só mandava notícias quando alguém retornava da capital. O trânsito da manhã na nova cidade era assustador e ao mesmo tempo dava-lhe a sensação de que algo deveria mudar em si. Talvez o ritmo. A cidade pulsava diferente da placidez do sítio onde nascera e crescera. Os outdoors, as buzinas, as cores, a quantidade de veículos, as pessoas dentro do circular, tudo, tudo lhe era novo e a fazia sorrir. Ela tinha, finalmente, dado o passo inicial para a realização de seus sonhos. Sim, sonhos, porque os tinha, e muitos!

     Não foi fácil convencer a irmã que, com a morte do pai, já não havia razão para ela continuar morando no sítio, longe de tudo que tanto ansiava ver, conhecer, experimentar, fazer. A mãe morrera quando ainda eram crianças e os outros irmãos casaram-se e foram viver suas vidas. Só ela e a irmã permaneceram na casa da família, cuidando do pai, até que no último verão também o sepultaram no velho cemitério da vila. A irmã recusou-se a vender a propriedade e vir com ela, tentar uma vida nova. Achava tudo muito arriscado. Encontrava em cada notícia dos telejornais que assistiam, uma justificativa para a sua aflição e sua recusa. Procurava chamá-la à razão, exaltando os crimes, as dificuldades, os problemas da cidade grande. Por que sair de onde viveram a vida toda? Para que se arriscar nessa empreitada em busca de um… sonho?!?

     Nada, porém, a demovera de seu intento. Nem as tragédias anunciadas em rede nacional pela voz teatralmente dramática dos apresentadores, nem os apelos sentimentalóides da irmã mais velha, nem os comentários desestimulantes do pessoal da vila, que sempre tinham uma, ou muitas, histórias de moças que “se perderam” no sul, de outras que voltaram carregando um filho e um coração arrasado, de famílias que perderam o pouco que tinham e levaram consigo, vítimas de engodos,  gente que… Ela ouvia tudo quieta, atenta, educadamente, agradecia e voltava para casa, para seus afazeres e para sua grande paixão: cozinhar. Não havia, pelas redondezas, quem não conhecesse seus talentos na feitura de geléias de frutas exóticas, de doces de leite, as cocadas com gemas e as marmeladas que faziam qualquer um esquecer do regime ou de uma coisa muito importante chamada diabetes. 

     Enfim chegara o dia de dizer adeus à irmã e aos vizinhos, pegar uma carona na carroça do namoradinho de adolescência até o ponto estrada onde o ônibus que a levaria até a rodoviária da grande e distante capital passaria. Lágrimas, recomendações, abraços misturaram-se às malas, pacotes, sacolas, num amálgama produzido pela poeira da estrada, e lá se foi ela, acenando pela pequena janela, um adeus às pessoas que sempre lhe foram queridas, à paisagem que tão bem conhecia, ao solo gretado pelo sol inclemente, aos animais magros que apareciam aqui e acolá, como que para também se despedirem. Ajeitou-se no banco e sonhou, uma vez mais com a cidade grande. Sentia, mais do que sabia, que havia feito a coisa certa. Havia chegado o momento de fazer uma escolha e ela a fez. Arriscada, um passo no escuro, sem garantias… Não! Ela tinha garantias, sim! Ela era a sua garantia! Ela sabia que tinha talento e essa “mão boa” para a cozinha haveria de abrir-lhe as portas e realizar seus sonhos.

     O ônibus sacolejou quando saiu da estrada vicinal, de terra, e entrou no asfalto, diminuindo a marcha enquanto passava pelas placas que sinalizavam direções e lugares, como se para se decidir para onde ir. Ela olhou para o cruzamento e sorriu, sozinha, ao ler o nome escrito na seta que indicava direção do seu mapa do tesouro. Respirou fundo e adormeceu.

     Quando o 2 de Ouros aparece numa leitura de tarot, dependendo sempre da sua localização no jogo e das demais cartas que o acompanham, além da questão proposta pelo Consultante, pode significar que a pessoa escolheu fazer as mudanças necessárias em sua pessoa e em sua vida a fim de aproveitar o máximo da situação. Uma mudança do velho para o novo e para melhor. Tudo parece se movimentar, evoluir, progredir de maneira suave, contínua, harmoniosa. Novas e mais elevadas perspectivas. Uma mudança proveitosa. Boas relações e satisfação no trabalho em grupo, que proporciona excelentes resultados. Novos fatos, valores e resultados aparecem em meio à atual situação vivida pelo Consultante e que irá mudar o rumo de seus objetivos ou fornecer-lhe novas perspectivas. Algo que sempre esteve presente como uma possibilidade torna-se, finalmente, claramente visível e torna-se especialmente significativo para o Consultante. Uma mudança no foco da vida, pois velhos princípios tornam-se questionáveis e antigos hábitos, que pareciam tão importantes, subitamente perdem significado fazendo com que se adicione novos propósitos a outros mais velhos. Pode representar uma oportunidade do Consultante libertar-se e deixar para traz o que antes pareciam ser coisas necessárias. O 2 de Ouros pode simbolizar um chamado para que se olhe a própria vida sem os limites de uma visão estreita, sem perspectivas, e que isso seja um instrumento liberador de uma realidade limitadora.

     Quando mal posicionada, ou dignificada, numa jogada, o 2 de Ouros pode representar a perda do equilíbrio, da harmonia. Pode indicar uma vontade do Consultante em unir-se a alguém, ou a algum grupo ou causa, e não conseguí-lo. O início de uma separação. Uma sensação de ser ou estar completo. Não conseguir motivar os outros, especialmente num grupo de trabalho. Brigas e discórdias. Uma sensação de “gelo” começa a invadir um relacionamento. Uma falha nos planos. Ser isolado pelo seu grupo social ou de trabalho. Sentir que algo não está certo ou que não será possível consertar.

     Nesta sexta-feira, sob os auspícios do regente do dia da semana, o planeta Vênus que enaltece a sociabilidade e a harmonia, valorizando a beleza das relações, e com a Lua Cheia no signo de Sagitário, a incentivar as atitudes mais liberais, a necessidade de sentir-se livre, autônomo, sem amarras emocionais, podemos rever as nossas prioridades, nossas decisões passadas e o quanto elas ainda valem ou são aplicáveis neste nosso estágio de vida. Não se deve brincar com o destino, mas também é desaconselhável brigar com ele. Somos encorajados a mudarmos em alguns, ou muitos, aspectos, mas também precisamos manter os pés no chão para não nos tornarmos vítimas de promessas vazias e expectativas frustradas.

     Tenham todos um dia repleto de novas idéias, grandes e pequenas soluções, e que nossa percepção mude para que possamos melhor exercitar nossos talentos e evoluir em nossa caminhada nesta existência.

Imagem: VAUDEVILLE TAROT, por F.J.Campos

2 comentários:

  1. E verdade, esse fato de rever postura principalmente no setor afetivo, hoje foi meio dificil, mas vamos vivendo cada momento.

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