quinta-feira, 6 de maio de 2010

Carta do Dia: 8 DE COPAS

Cups08      Quando abriu a porta do apartamento e seus olhos se acostumaram à penumbra da sala às escuras naquele fim de tarde, sentiu-se paralisar e o sangue gelar-se nas veias. Em pé, cercado de malas e com um copo de bebida na mão, ele esperava por ela.

     “Você?!?.. Aqui?… Quando… Como?”, balbuciara, incrédula. “Quando você voltou? Chegou agora?… Nem me avisou! Que surpresa!.. Ah, amor, que bom que você voltou!”, disse caminhando para ele, louca para abraça-lo, beija-lo, pedir-lhe perdão por ter sido tão tola. Jurar que nunca, nunca mais idéias bobas como as que tivera passariam novamente pela sua cabeça. Queria pedir perdão, dizer que se arrependera profundamente da atitude infantil e injusta. Queria beija-lo muito, queria ouvi-lo dizer, mais uma vez, mais um milhão de vezes que a amava, que estava tudo esquecido, que n…

     Enquanto caminhava para ele, braços estendidos para sentir novamente seu corpo, ele não se movera. Os olhos, baixos e taciturnos, evitavam os seus. Ao senti-la mais próxima, deu um passo atrás e levou o copo de bebida aos lábios. Ela parou, próxima, as mãos quase tocando seu corpo. Um frio gelado correu sua espinha e uma explosão de luz em seu cérebro pareceu cega-la momentaneamente. Sabia que algo estava errado. Sentia que algo estava muito errado. Ele, sem levantar o olhar para encara-la caminhou até a parede e, com um gesto nervoso, ascendeu o interruptor. As luzes da sala acenderam-se. Ela sentiu que em sua alma, seus sonhos, seus desejos, suas esperanças mergulhavam num mar de trevas.

     Ele, com um certo nervosismo a trair-lhe a calma estudada, o profissionalismo em conduzir argumentações, pediu-lhe que se sentasse. Ela, trêmula, sentindo-se nauseada, qual marionete obedeceu ao seu comando, deixando-se cair na poltrona. Então, com uma falsa e ensaiada tranquilidade, ele começou a falar. Desculpou-se por ter deixado a situação entre eles chegar a tal ponto. Contou-lhe que sim, ela tinha razão, ele viajara com sua ex-noiva e também colega de trabalho. Não era a primeira vez. Sempre que ela não pudera ou quisera ir com ele, a “ex” o acompanhara. Outras vezes, em que ele dissera que o escritório não pagaria a viagem da acompanhante e que seria melhor eles não gastarem esse dinheiro no momento, era mentira. Era apenas uma maneira que ele encontrara para poder estar com a ex-noiva. Sim, ele a amava. Achara, por uns tempos, que tudo estava acabado. Foi quando se conheceram e ele havia realmente se encantado por ela, achado-a linda, inteligente, interessante, sexy. Acreditara, sinceramente, que ela iria apagar definitivamente do seu coração o amor que ainda parecia nutrir pela ex-noiva, mas que com o passar dos meses, provou estar errado. Nem ela nunca deixara de ama-lo, nem ele a ela. Seu casamento foi um engano, pelo qual ele assumia total culpabilidade. O erro tinha sido dele. Ela tinha sido uma esposa perfeita nesse ano e pouco em que estiveram juntos, mas que ele não podia continuar mais.

     A sala parecia girar à sua volta e agarrou-se aos braços estofados da poltrona para não cair. A sensação de náusea parecia aumentar. Sentia frio. Sabia que a sua pressão estava caindo, mas parecia hipnotizada ouvindo-o falar. Seus pensamentos eram como ondas de um mar revolto onde ela parecia envolta, surfando num “tubo”, no meio da onda gigante, cercada pelas águas, sem conseguir ver o céu ou a praia. A voz dele ecoava ao longe e parecia falar de coisas que ela sempre soubera. Havia, naquele momento, uma sensação de déjà vu. O que aquele homem, seu marido, dizia soava como uma velha história cujo enredo ela conhecia. Ela, meio anestesiada pelo que ouvia, meio embriagada pelo vácuo que parecia formar-se à sua frente, olhava-o como quem parece reconhecer, num estranho, traços de semelhança com algum conhecido distante, alguém que não se sabe se é ou não real.

     “Quando você me ligou dizendo da sua desconfiança, eu me senti o pior dos homens. Sabia que você estava certa e que, de alguma forma, você havia descoberto a vida paralela que eu estava vivendo. Era chegada a hora de acabar com aquela situação. Não podia mais, para não magoa-la, por não querer frustrar os seus sonhos de amor, continuar ferindo a mim e à mulher que eu amo e a quem, e hoje eu vejo isso muito claramente, sempre amei. Não pense que não me é difícil e doloroso dizer-lhe isso ou que eu não tenha consciência de quanto eu estou lhe magoando dizendo-lhe a verdade, mas, creia-me, será muito melhor para nós dois.” _ Com as mãos ligeiramente trêmulas, serviu-se de uma nova dose de bebida. Enquanto colocava o gelo no copo, continuou _ “Gostei muito de você. Gosto muito de você, acredite. Tenho imenso carinho. Continuo a acha-la uma mulher incrível. Sua inteligência me encanta, sua conversa é sempre extremamente agradável e você é uma grande companheira de surf”, disse com um esboço de sorriso nos lábios.

     “Mas isso não é razão para que eu finja um amor que eu não sinto por você, apesar de você ter todas as qualidades, todos os predicados, ser tudo aquilo que a maioria dos homens buscam na tal da “esposa perfeita”. Mas eu amo outra mulher. Hoje, mais do que nunca, eu sei que sempre a amei e que esse sentimento é real, verdadeiro e eterno. Procurei esquece-la, quando terminamos, por influência da família dela que gostaria de vê-la namorando um homem mais bem sucedido, mais rico, em melhor posição que eu. Meu orgulho falou mais alto. Meu ego, minha auto-estima sentiu-se profundamente ferida e, como eu não podia enfrenta-los, ofende-los, feri-los, acabei magoando a mim e a ela, terminando e tentando reconstruir minha vida. Aí então, numa festa de aniversário à qual eu não queria ir e acabei me deixando levar por um amigo preocupado com o meu estado depressivo, acabei conhecendo você. O resto da história você conhece.”

     Sim, ela conhecia. Conhecia bem a paixão que surgira entre eles. Conhecia bem o jogo de conquista e sedução em que ambos se envolveram. Tinha lembrança de cada palavra trocada, de cada jura de amor dita, de cada carinho. Mas tudo, agora, parecia uma lembrança, como daquelas que se tem ao acabar de assistir a um filme: ainda estamos sob efeito das emoções, somos capazes de repetir as frases ditas ou de reviver as cenas protagonizadas pelos atores mas, fora do escuro da sala de projeção, tudo volta a parecer apenas… cinema. Luz e sombra pretendendo ser real. Aquele homem à sua frente, contando aquela história, narrando aqueles fatos, tentando justificar ou procurando dar sentido, parecia estar repetindo algo que verdadeiramente não lhe pertencia ou dizia respeito. Teve a vaga sensação de sentir-se aliviada, a mesma que sentia, quando criança, ao acender a luz de seu quarto e perceber que tudo estava bem, não haviam fantasmas.

     “Estou levando minhas coisas. Saio agora. Quero que você fique morando aqui enquanto sentir vontade. Vou pedir para nosso amigo advogado cuidar dos papéis.” _ Tomou mais um gole de bebida _ “Espero que sua mágoa por mim passe bem rápido. Sei que é horrível dizer isso, mas gostaria de continuar sendo seu amigo, ou que pelo menos pudéssemos nos encontrar sem constrangimentos, quando fosse inevitável. Ainda que você não acredite, quero-a muito bem, tenho um carinho enorme por você. Não agi corretamente, reconheço, assim como reconheço o quanto essa minha atitude possa ter lhe magoado e o quanto você possa estar me odiando neste momento, mas veja, isso também vai passar. Você é jovem, bonita, atraente, inteligente, uma super profissional… irá saber reconstruir sua vida com alguém que lhe dedique o amor que você merece receber. Conte comigo sempre. Lembre-se que sou seu amigo. Posso não ser o marido certo para você, mas sou seu amigo de verdade. Não titubeie um segundo se precisar de mim. Estarei sempre ao seu lado para ajuda-la no que for preciso.”

     Ela sorriu pela primeira vez, pensando no que ele dizia. Parecia-lhe texto de novela de TV, daqueles cheios de “chavões”, quando se nota que o dramaturgo estava sem nenhuma inspiração. Já ouvira aquilo, dito por vozes outras, em cenários diversos, dentro de teatros, nas salas de cinema, nas páginas dos livros, nas histórias contadas por amigas e amigos chorosos. Tudo parecia tão impessoal, tão supérfluo, que bastaria, se houvesse, que ela desligasse o interruptor para que acabasse. É, essa era uma boa idéia. Chegara a hora de mudar de canal, virar a página, usar o controle remoto, devolver o livro à estante. Pela primeira vez o via com outros olhos. Parecia que uma névoa começara a desfazer-se e que ele podia ser visto como o homem comum que era, com os mesmos defeitos e qualidades dos demais. O brilhante e famoso advogado que defendia, conciliava ou vencia grandes causas internacionais era incapaz de lidar claramente com suas próprias emoções. Era capaz de trair-se e trair os outros. Era capaz, como qualquer outra pessoa, de errar. Olhou mais uma vez para ele. O Super Homem tinha voltado a ser Clark Kent.

     “Bem, estou saindo agora. As chaves estão sobre a mesa. Quando os papéis do divórcio estiverem prontos, nosso amigo liga para você. Vou ficar num hotel até arranjar outro apartamento. Devo passar no final de semana pela casa dos seus pais para conversar com eles. Lembre-se: o que precisar, não deixe de me telefonar.” _ Tomou o último gole do copo quase vazio _ “Acredite, gosto muito de você e estarei sempre ao seu lado, se você permitir, e torcendo para que você seja muito feliz.”

     Ela ficou olhando para ele enquanto pegava suas malas e atravessava a sala em direção à porta. Por um segundo teve vontade de erguer-se da poltrona e correr até ele e dizer que o amava, que ainda o amava, que não a deixasse, que não fosse embora, que ela compreendia a confusão dos seus sentimentos, que tudo iria passar, que ela iria ajuda-lo. Que eles iriam ser novamente felizes. Mais foi só por um segundo. Viu-o sair e o som da porta fechando-se pareceu desperta-la daquele torpor. Olhou o apartamento. Deixou que os olhos passeassem pelas paredes, móveis, objetos. Parou quando fixou o olhar no porta-retratos com a fotografia de ambos. Levantou-se e caminhou até ele. Segurou-o e olhou bem a foto, como que estudando as fisionomias e cada detalhe da mesma. Sorriu tristemente, os olhos cheios de lágrimas. Deitou o porta-retratos, com a foto para baixo, sobre o móvel. Sentindo-se profundamente cansada e ainda um pouco tonta e nauseada, caminhou lentamente até a sacada. A brisa da noite estava fria. A cidade recortava-se contra a noite em milhões de pequenos pontos luminosos. Olhou em direção ao mar. Não havia lua. Encostou-se contra a parede e chorou, sozinha na escuridão.

     Quando o 8 de Copas aparece numa leitura de tarot, dependendo sempre das demais cartas que também saíram na jogada, da sua posição no esquema do jogo e da pergunta formulada pelo Consultante, pode significar que o Consultante está saindo de uma fase para começar uma nova etapa. Que é o momento de fazer mudanças, alterações, modificações em nossas atividades se estivermos nos sentidos exauridos, desmotivados e desenergizados por elas. Pode também ser sinal de instabilidade, de sucesso temporário, de sentimentos que se acabam, de solidão. Sentir-se emocionalmente esgotado, com o coração partido. Desistir dos planos. Ser muito tímido para agir. Sentir que está dando mais do que recebe em troca. Não ter esperanças. Problemas que se encontram encobertos por enganos, mentiras, ilusões, medos, descaso, desatenção, incoerência, mas que precisam serem revelados. Falta de desejo. Abandonar um relacionamento significativo. Um momento na vida do Consultante quando ele precisa tomar uma decisão e escolher um novo caminho.

     Dependendo sempre da posição da carta e de como a leitura esteja sendo conduzida. o 8 de Copas também pode significar que a sensação de perda terminou e  que a alegria e felicidade estão retornando à vida do Consultante. Necessidade de estar diretamente envolvido, sem deixar a mente divagar, numa determinada situação. Reconectar-se com suas mais profundas emoções. Estar no lugar certo, na hora certa. Querer explorar novas possibilidades. Sucesso obtido através de esforços específicos. Recusar-se a mover, a seguir em frente. Tomar decisões errôneas. Ficar preso ao passado.

     Nesta quinta-feira, sob a regência de Júpiter, sempre expansivo, otimista, esperançoso, e com a Lua entrando em sua fase Minguante, facilitando o término de assuntos inacabados, ajudando-nos a dar solução para problemas do passado que teimam em se arrastar até o presente, podemos nos valer dessas energias para concluirmos ciclos já esgotados e nos prepararmos, com muita fé e disposição para vivermos novas realidades.

     Tenham todos um excelente dia, vivido conscientemente, longe das ilusões.

Imagem: TAROT OF THE RENAISSANCE, de Giorgio Trevisan

3 comentários:

  1. não tenho nem o que comentar pois somente com as cartas do dia cada vz mais você acerta em tudo que eu preciso escutar - imagine o que não deve acontecer numa abertura de taro!
    Sua seguidora sempre
    Namastê

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  2. Olá, estou adorando seu site e essa carta me enche de dúvidas. Numa tiragem especial sobre o futuro de um casal (entre suas indas e vindas ainda nao definitivas), saiu essa carta antecedida de Sol. Posso considerar que o sol está ressaltando o lado iluminado da carta, representando o casal e seu abandono voluntário em relação aos traumas passados que impediam a relação de se firmar? Ou se trata de um abandono involuntário de uma das partes ao se ter consciência que de ali não terá futuro?
    Eu achei o significado bem claro dessa carta, mas ela contrastou muito com o Sol e minha pouca experiência em tarô haha

    de qualquer forma, obrigada e parabéns pelo site!

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  3. Na verdade a ordem das cartas foi Sol+ Oito de copas....a ordem delas inverte o significado?

    Grande abraço!

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Namastê!