JOCASTA
“…Mas dize por que vieste, e que notícias nos queres anunciar.”
MENSAGEIRO
“Coisas favoráveis para tua casa, e teu marido, senhora.”
JOCASTA
“De que se trata? De onde vens tu?”
MENSAGEIRO
“De Corinto. A notícia que te trago ser-te-á muito agradável; sem dúvida que o será; mas pode também causar-te alguma contrariedade.
JOCASTA
“Mas que notícia será essa, que produz, assim, um duplo efeito?”
MENSAGEIRO
“Os cidadãos do Istmo resolveram aclamar rei a Édipo, segundo
dizem todos.”
JOCASTA
“Quê? O venerando Políbio já não exerce o poder?”
MENSAGEIRO
“Não... A morte levou-o à sepultura.”
JOCASTA
“Que dizes tu? Morreu Políbio?”
MENSAGEIRO
“Que eu pereça já, se não for a pura verdade!”
…………………………………………………….
ÉDIPO
“Ora eis aí, minha mulher! Para que, pois, dar tanta atenção ao solar de Delfos, e aos gritos das aves no ar? Conforme o oráculo, eu devia matar meu pai; ei-lo já morto, e sepultado, estando eu aqui, sem ter sequer tocado numa espada... A não ser que ele tenha morrido de desgosto, por minha ausência... caso único em que eu seria o causador de sua morte! Morrendo, levou Políbio consigo o prestígio dos oráculos; sim! os oráculos já não têm valor algum!”
JOCASTA
“E não era isso o que eu dizia, desde muito tempo?”
ÉDIPO
“Sim; é a verdade; mas o medo me apavorava.”
JOCASTA
“Doravante não lhes daremos mais atenção.”
Mensageiro, Jocasta e Édipo, em “Oedipus Rex” _ Sófocles, Séc. V a.C.
Sófocles, há aproximadamente 2.500 anos, ao criar essa obra-prima da literatura mundial, esse magnífico exemplo de peça teatral, utilizou-se de todos os recursos para dar veracidade ao drama que queria retratar.
Se olharmos “Édipo Rei” como uma peça sobre parricídio e incesto, estaremos fazendo uma leitura bastante superficial de todos os conflitos da alma humana apreendidos pelo sábio escritor em seu texto. Édipo é um homem com todos as virtudes e pecados, com todos os vícios e angústias, com todos os medos e egolatria que iremos encontrar na humanidade, de forma geral, em qualquer tempo. A maneira com que ele procura esquivar-se da verdade, ainda que, técnicamente a busque, é impressionante.
A chegada do Mensageiro, vindo de Corinto com a notícia que seu pais (que era adotivo) havia falecido é o bastante para que ele acredite que o Oráculo de Delfos estivesse enganado a seu respeito. Imediatamente, ao ouvir a notícia ele desacredita as mensagens das pitonisas do célebre templo de Apolo, recebidas anos antes, que diziam que ele mataria seu pai e casar-se-ia com a própria mãe. Na época, fugiu, para evitar que a profecia se cumprisse e que ele viesse a assassinar o Rei Políbio, de Corinto, e casar-se com a Rainha Mérope, que acreditava ser sua verdadeira mãe. Nessa fuga, tomando rumo de Tebas, cruza com o Rei Laio, que era seu pai verdadeiro, e, numa discussão tola, mata-o, vindo, depois, desposar sua mãe biológica, a Rainha Jocasta, com quem teve 3 filhos.
A notícia que o Mensageiro traz é o suficiente para que ele busque, desesperadamente, livrar-se de uma carga de culpa, de um medo que lhe é imenso de tornar-se assassino do homem que ama como pai e desposar a própria mãe. Esse conflito já é o bastante para que sua mente esteja obscurecida por confusos pensamentos. A notícia é uma esperança, uma porta de saída para uma situação. Uma possibilidade de mudança, de alteração dos fatos. O que ele ainda não sabe é que essa súbita reviravolta na história trará consigo ainda maiores angústias. Essa travessia que Édipo procura fazer, utilizando a notícia da morte por causas naturais de Políbio, não será tão tranquila quanto ele espera. Na margem oposta dessa pretensa passagem para dias melhores, aguardam-lhe novidades que irão aumentar ainda mais a sua confusão mental e obscurecerão ainda mais a sua alma.
MENSAGEIRO
“Podes revelar-me esse oráculo, ou é vedado a outros conhecê-lo?”
ÉDIPO
“Pois vais saber: Apolo disse um dia que eu me casaria com minha própria mãe, e derramaria o sangue de meu pai. Eis aí por que resolvi, muitos anos, viver longe de Corinto...”
MENSAGEIRO
“E foi por causa desses receios que te exilaste de lá?”
ÉDIPO
“Também porque não queria ser o assassino de meu pai, ó velho!”
MENSAGEIRO
“Oh! Por que não te livrei eu de tais cuidados, eu, que sempre te quis bem?”
…………………………………………..
MENSAGEIRO
“Sabes, por acaso, que esse receio absolutamente não se justifica?”
ÉDIPO
“Como não? Pois se eles foram meus progenitores...”
MENSAGEIRO
“Políbio nenhum parentesco de sangue tinha contigo!”
ÉDIPO
“Que dizes?!... Políbio não era meu pai?”
Após um momento em que, acreditando que o Oráculo estivesse errado e que ele nada devesse temer, Édipo é confrontado com mais uma das peças do grande quebra-cabeças que ele precisa montar para saber exatamente quem é. Ao tomar conhecimento que o Rei cretense não era seu pai, ele perde a única fonte de identidade que conhecia até então. Quem é ele? De onde ele vem? A que está predestinado? Convenhamos que essas são questões básicas que lidamos no curso de nossas vidas, e não são apenas recursos teatrais para nos manter interessados na história. Quem nunca se questionou qual a sua real função neste plano de vida? Se é, ou não, um joguete de um destino que pode ser, em alguns casos bastante cruel. O quanto de livre-arbítrio realmente possuímos e o que essa nossa capacidade de fazer determinadas escolhas pode, ou não, alterar um destino que pode ser (ou não) imutável. O quanto nos conduzimos e o quanto somos conduzidos por forças muito mais poderosas e arcaicas?
Quando um 6 de Espadas surge numa leitura de tarot, dependendo sempre da sua posição na jogada e das demais cartas que a acompanham, além da questão proposta pelo Consultante, pode significar que se ele irá ou não adiante com a situação que está vivendo naquele momento irá depender inteiramente da sua clareza mental e disposição para enfrentar desafios e encarar a verdade dos fatos. Pensamentos confusos, truncados, são como bagagens inúteis, pesos mortos, que transportamos a cada porto da nossa vida. De nada nos servem. Quando abrimos nossos olhos e nossa mente, estabelecemos contato com a realidade, colocamos os pés no chão, conseguimos separar os eventos, os fatos, as pequenas peças que constituem o todo e analisa-las individualmente, conhecendo-as bem, não nos esquivando da dor ou do prazer que elas possam nos proporcionar. Assim sendo, tendo uma visão clara do conjunto e dos horizontes e caminhos disponíveis, estamos novamente prontos para assumirmos o leme desse barco que poderá nos conduzir, ainda que por águas turvas e agitadas, mas em segurança para uma margem mais ensolarada.
O aparecimento do 6 de Espadas é um lembrete para que sejamos fiéis a nós mesmos e corretos em nossa conduta. Para que usemos a nossa flexibilidade mental, ainda que dentro de uma situação bastante difícil ou conflitante, para que possamos encontrar o que nos motiva, o que nos faz seguir adiante. É importante, também, que nos lembremos que a maneira com a qual comunicamos nossos desejos, nossas intenções, nossas dúvidas, angústias, medos, ou emoções é fundamental para que possamos compartilhar e, assim, diminuir nossa carga. O 6 de Espadas simboliza um “dar as costas” para o passado, em busca de um futuro melhor. Mas o passado não é uma mancha que possa ser lavada das mãos. Enquanto o Consulente não o enfrentar corajosamente e procurar aceitá-lo e, se for o caso, resolve-lo, ele acompanhará, como peso extra na bagagem que carregará para qualquer seja o futuro que pretenda que lhe aconteça.
Édipo está num barco à deriva. Supostamente abandonou seus velhos temores, descartando a mensagem oracular recebida muitos anos antes, mas também não sabe o que lhe aguarda à frente. A notícia de que Políbio não era seu progenitor, destrói sua teoria de que a pitonisa do Templo de Apolo, em Delfos, enganara-se ao prever que ele o mataria. Políbio morrera de causas naturais e não pela sua espada… mas não era seu pai. A possibilidade do Oráculo estar certo ainda perdura.
O dia de hoje, no antigo calendário romano, era consagrado a Apolo, que representava o Sol e era o inventor da música, das artes e da adivinhação. Seu templo, em Delfos, era local de peregrinação e até hoje estuda-se, geologicamente, as possíveis influências de gases emanados do interior da terra na indução ao transe das pitonisas residentes. A palavra “oráculo” significa “comunicação divina” ou “aquele que fala em lugar de deus”. Talvez fosse interessante, nesta data, meditarmos e procurarmos ouvir a nossa voz interior, a fala da nossa intuição, e nos permitirmos estabelecer uma comunicação com o Divino que nos habita. Usemos, como exemplo, a figura do sábio, e cego, Tirésias, o vidente de “Édipo Rei”, que, na sua cegueira física, conseguia enxergar muito mais do que aqueles que tinham seus olhos voltados apenas para o exterior. Olhar para dentro de nós mesmo é necessário. Os gregos tinham um nome para pessoas como Tirésias: enthousiasmós (entusiasmo), ou seja, aquele que tem Deus dentro de si. Busquemos esse entusiasmo dentro de nossas almas.
Tenham todos uma excelente e transformadora terça-feira!
Muito bom o artigo parabéns!
ResponderExcluir