Ela sabia, desde que o casamento fora marcado, que algumas transformações iriam acontecer na rotina de ambos. Não iriam ser mais namorados, ou noivos, como sua mãe e tias insistiam em chamar, mas, como marido e mulher, companheiros dividindo um mesmo espaço, com deveres e obrigações comuns, determinados detalhes precisariam ser revistos e concessões haveriam de acontecer.
O pessoal da grande cadeia de lojas para quem ela trabalhava como estilista-chefe procuraram, de todas as formas, demove-la da idéia de pedir demissão do emprego. Ela justificava dizendo que teria que se dedicar à decoração do novo apartamento, cujas obras estavam sendo finalizadas e que, como o futuro marido viajava constantemente, a serviço, para o exterior, ela pretendia acompanha-lo, prolongando assim a sua lua-de-mel. Finalmente, a diretoria da empresa, que tinha por ela um enorme carinho e respeito profissional, ofereceu-lhe um longo período de afastamento não remunerado e, se depois desse tempo ela decidisse voltar ao trabalho, o seu cargo estava garantido. Era uma condição excepcional, ela sabia, e aceitou-a mais em agradecimento pela “massagem” em seu ego do que por considerar, naquele momento, a possibilidade de um dia voltar.
Queria viver uns anos só com ele, criando uma rotina doméstica, arrumando a casa da maneira que ela sempre desejara, viajando muito, fazendo o seu esporte preferido, o surf, em praias pelo mundo afora, “curtindo” um ao outro intensamente e depois, tendo os filhos que sempre planejara ter. E nos primeiros meses foi exatamente assim que aconteceu.
Ele, entretanto, tinha um esquema de trabalho muito intenso, atendendo os clientes do escritório de advocacia em diversas capitais do mundo. Eram horas e mais horas de tédio em aeroportos e dentro de hotéis, aguardando pela volta dele das reuniões e das cortes judiciais onde ele precisava defender quem lhe contratava os serviços. O que poderia ter sido, à primeira vista, um delicioso prolongamento do romantismo dos primeiros dias de casados, passou a ser algo aborrecido, entediante, cansativo. Ele voltava do trabalho extenuado e a encontrava esperançosa de irem ao teatro assistir ao musical da moda e depois jantarem naquele restaurante “bacana” que estava nas colunas sociais das revistas estrangeiras e em todos os guias de restaurantes, mas acabavam mesmo pedindo um jantar na suíte do hotel em que estavam hospedados e ela terminava a noite assistindo aos “late shows” e aos velhos filmes na televisão.
O apartamento também já havia ficado pronto e a decoração completa. Ela esmerou-se nos detalhes, valendo-se do seu grande sentido estético e impressionando a todos com o seu bom gosto. Planejara receberem os amigos para jantares nos finais de semana, mas, quando não estavam viajando, ele desculpava-se com ela dizendo que tinha que aproveitar o tempo para estudar novas ações e causas que o escritório local lhe atribuía. Até as manhãs de praia e surf, com os dois, velozes, rindo sobre as ondas, foram diminuindo em virtude do cansaço ou das obrigações de trabalho dele. Os dias ficaram longos e ela começou a sentir-se, pela primeira vez, só.
Numa manhã, aproveitando que ele viajara sem ela para o exterior e vencendo o fantasma da depressão que parecia querer tomar conta dela, telefonou à melhor amiga, aquela cuja festa de aniversário fora o motivo para os dois se conhecerem, e marcaram um almoço. Entre saladinhas e geladas taças de vinho branco atualizaram as agendas. Ela, que estava afastada da turma, queria saber detalhes de todas e todos: quem está namorando, quem deixou quem, quem está fazendo o que, quem foi para onde, o que aconteceu com Fulana, etc. A amiga ia fornecendo as resposta e acrescentando outras informações tais como: “Sabe quem tem perguntado muito de você todas as vezes que nos encontramos no Baixo?”_ dizia, com uma certa malícia na inflexão _ “O Fulano! Imagina, ele voltou do Havaí e nem sabia que você havia se casado! Ficou com uma cara quando lhe contei… Tadinho!”_ e, rindo, acrescentava_ “Vai ficar aqui de vez. Tá abrindo uma escolinha de surf e ampliando a fábrica de pranchas junto com o irmão.” “É mesmo?”, respondia, ao que a outra complementava: “Me disse que queria muito te ver. Que você foi muito importante para ele e que ele não “pega onda” sem lembrar de vocês dois juntos, surfando por aí…”.
Ela sorria meio encabulada (afinal agora ela era uma mulher casada!) e muito satisfeita (quem não gosta de ser lembrado em momentos felizes?), mas apressadamente explica que anda cheia de compromissos, especialmente agora que o marido deve estar chegando de mais uma viagem e decidiram passar uma semana juntos, só eles, em Buenos Aires. A amiga aproveitou a oportunidade para lembrar da “saia-justa” no casamento, quando o bouquet foi “arrebatado” pela ex-noiva dele. Riem bastante lembrando a situação e a cara dela na ocasião. A amiga aproveita para dizer que acabou descobrindo que ela e a ex-noiva frequentam o mesmo salão de cabelereiros e que dividem a manicure que lhe contou que a ex-noiva também estava viajando a negócios com um pessoal do escritório.
Ela, que nem havia perguntado ao marido com quem ele iria viajar dessa vez, foi pega de surpresa. E mais surpresa ficou ao perceber que esse comentário tinha feito com que a ensolarada tarde escurecesse e o suave gosto do vinho que tomavam azedasse em seus lábios. Continuaram a conversa de forma quase natural, não estivesse ela completamente absorta em outros pensamentos. Despediram-se prometendo verem-se “logo, logo”. No carro, voltando para casa, pensou no “esquecimento” dele em comentar que iria viajar com a ex-noiva, inclusive nem mencionando o fato nos telefonemas e e-mails trocados. Queria chegar logo para ligar para ele e perguntar-lhe. Deu sinal e entrou na avenida beira-mar. O Sol criava faíscas no azul profundo a água do mar e as ondas desmanchavam-se em alvas espumas e estrondos. Alguns surfistas aproveitavam a tarde e pontuavam o azul do oceano com suas pranchas coloridas. Por um instante ela pensou no ex-namorado, recém-chegado do Havaí. Sentiu na pele a sensação do vento e dos respingos enquanto surfava. Lembrou-se claramente no amanhecer chegando a uma praia deserta para “pegar onda” e a profunda noção de liberdade que o mar lhe inspirava. Pensou o quanto era feliz voltando de cabelos molhados, segurando a prancha, para casa, mantendo na memória alguma imagem que a inspirara para a criação de mais uma padronagem, mais um desenho para a empresa em que trabalhara.
Acelerou o carro. Tinha agora pressa para chegar em casa e ligar para ele falando da sua insatisfação.
Quando o 4 de Copas surge numa leitura de tarot, sempre dependendo da sua posição na jogada e das demais cartas que lhe são vizinhas, além da questão proposta pelo Consultante, pode significar que ao Consultante está faltando reconhecer o valor de determinados sentimentos, provocados por determinadas situações, provocam , ou então, reconhecer a importância real do papel desempenhado por outros na vida do próprio Consultante. Também pode significar a necessidade de reconhecer suas próprias qualidades. Frequentemente pode ser associado à deixar-se passar oportunidades por uma recusa em nota-las. É um alerta para o Consulente de que permanecendo numa posição de indiferença ou de recusa, ele não está preparado para a convivência social. Talvez por isso mesmo essa carta seja constantemente lembrada como um prenúncio de tédio, imobilidade ou de preocupações imaginárias. Do mesmo modo que o Consulente pode acatar a oportunidade que se lhe oferece como um salto para diante em termos de crescimento emocional, há também o risco dele acomodar-se em um mundo irreal que ele criou, nutrindo alguns rancores e insatisfações injustificados. Acontece quando o Consulente tem novos objetivos em mente mas não sabe por qual optar ou como realiza-los, pois o caminho para algo melhor parece ser muito difícil de ser trilhado. As coisas parecem muito mais difíceis do que realmente são. Muitas vezes representa uma certa amargura que o Consulente nutre em relação ao passado. Desejar encontrar algo que estimule.
Entretanto, dependendo sempre da leitura das demais cartas que o acompanham e da interpretação dada ao jogo como um todo, os 4 de Copas também apresentam seus aspectos mais interessantes e positivos tais como novas e excitantes opções que surgem na vida do Consultante. Há luz no fim do túnel. Encontrar novas soluções, novos relacionamentos e novas oportunidades. Uma nova pessoa surge na vida do Consultante. Saber compartilhar. Vencer a imobilidade e usar a ação para atingir novos patamares de crescimento em todas as áreas.
O Sol, regente dos domingos, que neste momento está no signo de Touro, é o estímulo que pode estar nos faltando para enfrentarmos e terminarmos nossas tarefas, resolvermos nossas situações, esclarecermos nossos pontos de vista, apesar das dificuldades que possam estar nos obstruindo. O 4 de Copas pode ser relacionado com a Lua em Câncer, o que significa estar se sentindo emocionalmente vulnerável, com uma grande necessidade de proteger, presos a uma idéia de segurança através da possessividade. Seria razoável aproveitarmos, então, para meditarmos o quanto estamos dispostos a nos abrirmos e compartilharmos. Será, por outro lado, que não estamos precisando nos isolarmos um pouco e meditarmos a respeito de algo? Abandonar ressentimentos, não ficar alimentando fantasias mórbidas, nem ficar “emburrado” pelos cantos e procurar soluções positivas e criativas parece ser um bom começo para uma agradável mudança.
Tenham todos um reparador e bem-humorado domingo!
Olá Príncipe Alex
ResponderExcluirEstou encantada e curiosa pelos acontecimentos que serão relatados com os demais Arcanos Menores da série numérica de Copas, o conto está muito emocionante e estou torcendo pela heroína.
Bom domingo
Rosa Cristal